O CAVALO E O MENINO - PARTE IV
Com as mãos na cabeça, em uma postura desesperada, o pai ficou algum tempo olhando a estrada por onde o caminhão tinha ido embora. Ele não sabia o que fazer. E ficou daquela maneira, até que o menino caminhou até ele, e segurando a sua mão, perguntou: "E agora, pai?"
Ele olhou para o menino. Uma lágrima descia. Passou a mão na cabeça do filho, que olhava para cima, esperando uma resposta do pai. Após um longo suspiro, o pai tirou o chapéu e limpou a testa com as costas da mão, recolocando o chapéu de volta. "Agora somos só nós três: você, o cavalo e mais eu."
Voltamos para casa caminhando devagar, e lá chegando, o pai pegou um saco onde tinha guardado comida para a viagem - ainda bem que Corisco não se lembrou de carregá-lo! Tinha carne-seca, mandioca , pão duro, alguns sacos de arroz cru, farinha, umas poucas laranjas, alguns litros de água. Depois, foi até o celeiro e pegou um saco grande de ração para cavalos - o último. Arrumou aquilo tudo nas minhas costas, e nós partimos daquela cidade fantasma. Seguimos a mesma direção por onde o caminhão tinha ido, o menino puxando-me pelo cabresto e o pai seguindo logo atrás. Nós andávamos devagar, pois precisávamos economizar nossas forças. O caminho era longo. Talvez levássemos muitos dias para chegar até a próxima vila, onde - segundo ouvi das conversas entre pai e filho - as condições eram melhores. Quem sabe, o pai e Pedrinho arranjassem algum trabalho. Mas o sonho do pai era ir para o sul, para alguma cidade grande onde houvesse água e comida abundantes, escola para o menino e emprego para ele.
Ninguém tocou mais no nome de Corisco, mas eu sabia que ele tornara-se uma dor em seus corações. Uma lembrança triste, uma mágoa desesperada - e inesperada - que eles carregariam e que pesaria em seus ombros durante aquela viagem e pelo resto de suas vidas, principalmente, para o pai. Mesmo assim, o pai tentava até sorrir, para alegrar um pouco o filho. Contava histórias do tempo e que a mãe vivia, quando, em volta de uma fogueira, nós acampávamos na beira do caminho, sob um céu crivado de estrelas. Os olhos do menino brilhavam. E o menino contava ao pai as histórias bonitas que ele inventava para nós dois. Falava dos castelos e princesas, dragões e reis, colinas verdejantes e bosques maravilhosos onde vivíamos. O pai ficava encantado ouvindo o menino, igualzinho as crianças da vila. No fim, sempre dizia: "Você tem jeito para contar histórias, Pedrinhos. Fala tão bonito!" E eram aquelas histórias que os dois contavam que reabasteciam as nossas esperanças... mas conforme os dias nasciam e iam esquentando, e a água e a comida tornando-se mais escassas, as esperanças iam diminuindo. Meu peso ia ficando cada vez mais leve, o coração, mais pesado, e a estrada, cada vez mais longa.
Logo, os dois passaram a alimentar-se dos meus grãos de ração. Levavam à boca os pedaços secos e, para eles, sem qualquer sabor. Minha porção diária reduziu-se ao que cabia em uma palma de mão. Todos estávamos perdendo peso. A pele do menino tornou-se ressecada e muito queimada, feia como a do irmão. O pai envelheceu muito naqueles poucos dias.
Certa noite, enquanto os dois estavam sentados diante da fogueira, famintos, sedentos e desanimados, passou uma estrela cadente. Tão grande ela era, que fez um chiado ao cruzar o céu. O menino levantou-se, apontando-a, e dizendo que era um sinal. Quem sabe, não fosse a menina morta dizendo que ficaria tudo bem? O pai tentou sorrir, mas seu sorriso era só uma careta de tristeza.
A água restante estava toda dentro de uma garrafa de plástico; "Apenas um litro," eu ouvi o menino dizer ao pai. Um dia, olhei para cima e vi uns pássaros negros voando logo acima de nossas cabeças. Já tinha visto aquelas aves muitas vezes, e sabia o que elas significavam, pois elas só pousavam onde havia morte. O pai sacudiu o chapéu, tentando espantá-las para longe. O menino gritou de medo, abraçando-se ao meu pescoço. Em volta de nós, apenas terra seca e rachada, e algumas árvores mortas. Acima, os pássaros negros e o sol escaldante, pendurados como um arremedo zombeteiro da vida, em um céu tão azul que doía os olhos.
(continua...)