O PORCO E O HOMEM
No evangelho de São Marcos narra-se um fato inusitado sobre uma manada de porcos que sossegadamente pastava numa encosta em cujo cimo havia uma colina e abaixo, uma lago profundo.
Por ali passava Jesus e seus discípulos numa estrada de terra batida que cortava a bela colina em direção a uma cidade de onde vinha um pai infeliz tentando controlar a conduta de um filho rebelde que certamente fugira de casa e o pai amoroso o acompanhou para livrá-lo de perigos e com a esperança de o reconduzir ao lar.
Não se tratava do filho pródigo do evangelho de São Lucas, porque este era um filhinho de papai rico e desejoso de aventuras, tanto que pediu antecipadamente sua parte de herança que só com a morte do pai rico haveria de ser dividida entre dois irmãos.
O que era comum entre os dois pais era o amor paterno, mas não a riqueza que estava com o pai da narrativa de Lucas e a pobreza com o pai da narração de Marcos.
A diferença entre os dois pais é que o de Lucas tinha dois filhos e nunca se encontrou com Jesus, a não ser em seu imaginário em forma de uma parábola, enquanto que o de Marcos tinha um filho único e teve a grande felicidade de se encontrar com o mestre enquanto este e seus discípulos trafegavam pela estrada poeirenta, enquanto porcos livremente pastavam em paz abaixo da bela colina e acima do lago profundo.
O pai de Lucas viu seu filho saindo de casa sem saber para onde iria, mas nunca perdeu a esperança de que ele retornasse, o que de fato aconteceu e terminou tudo em festa, apenas com um desmancha prazer do filho mais velho que não quis participar e ainda jogou na cara do pai que aparentemente valorizava mais o filho desgarrado do que ele, o filho fiel.
O pai de Lucas não proibiu seu filho mais novo de sair de casa, nem poderia fazê-lo, tanto que se convencionou de ser chamado biblicamente de filho pródigo, que vai embora com os bolsos cheios de dinheiro e depois volta pedindo para ser um simples criado da casa e é recebido como príncipe, vestido com trajes de linhos e ornado com um anel de ouro no dedo, além do churrasco e baile noite a dentro.
Se o pai de Lucas tinha tantos recursos para distribuir entre os dois filhos e ainda fazer festa pra quem depois de ter dissipado sua fortuna, herdada de mãos beijadas, com prostitutas, festanças e falsos amigos, o pai de Marcos nada tinha a oferecer ao filho fujão, senão deixar sua mulher e mãezinha de um filho doente, chorando pelo marido e pelo filho que só queria sua liberdade e ficar bem longe de ambos.
É certo que o filho de Lucas sofreu as consequências de sua loucura, perdeu até a esperança de reaver sua condição de filho, mas enfim teve sorte e foi recepcionado na casa paterna, podendo até dançar, quem sabe, com seu primeiro amor que com um belo sorriso também o esperava para selar o noivado e se casar em breve com mais festas ainda.
Já o filho de Marcos não deixou nada para trás, a não ser seu barraco e sua mãezinha chorando e saiu de bolsos vazios, esbravejando e xingando aqueles que lhe deram a vida que ele nunca pediu e se desgostou de viver, por ter nascido pobre e epiléptico.
Quem explica tanto sofrimento para este filho e para seus pais? Mais um mistério da vida e que não se resolve com explicações, senão com amor.
Foi o que o pai de Marcos tentou resolver, certamente muitas vezes e perdendo tantas noites de sono e a solução nunca chegou naquele pobre lar, onde uma mãe chorava todos os dias pelo filho doente e o pai nada podia fazer, até que o filho fugiu desvairado e ele foi atrás para o acompanhar em seu descaminho obscuro e desconhecido.
O filho adiante gritando frases desconexas e ameaçando o pai que o acompanhava, tentava abraçá-lo e era sempre repelido com socos e pontapés. Era um pai misericordioso que iria até ao fim do mundo, mas não abandonaria nunca seu filho querido, que não sabia o que estava fazendo. Morreria por ele e com ele, mas nunca o abandonaria, tão só por amor, nunca por dinheiro que ele não tinha e muito menos por festanças de que nunca pode desfrutar.
Enquanto ambos caminhavam, às vezes lado a lado, mas quase sempre o filho adiante se afastando do pai e o pai atrás sem nunca o perder de vista, eis que naquela estrada, que cortava a colina coberta de árvores, arbustos e relvas verdes, surge um grupo de pessoas logo após uma curva.
Vinha à frente um homem barbudo, forte e moreno, na flor da idade, e logo atrás, discutindo quem deles seria o maior, um grupo de outros doze, barbichas também, todos calçados de sandálias poeirentas e parecendo se desentender e até quase se atracando.
Os olhos do pai de Marcos brilharam de esperança e se adiantou ao filho fujão e se prostrou junto ao líder do grupo, pois o reconheceu como Jesus, de quem tanto ouvira falar, de seus feitos, de sua ternura, de sua bondade, de dar esperança para solução de todos os problemas e até realizando milagres.
Que feliz encontro. Já o tinha procurado e nunca o encontrado em parte alguma, só se ouviam falar desse homem extraordinário, mas onde estaria? Estava ali e agora diante dele e de seu filho doente. Sua esperança que nunca tinha morrido, agora estava mais viva do que nunca.
- O que espera de mim?
Foi a pergunta que ouviu e seus seguidores tentaram dissuadir o Mestre.
- Este rapaz tem um demônio e nós já tentamos expulsá-lo e não conseguimos. Não vamos perder tempo, pois temos que socorrer os pobres com nossas esmolas.
Jesus os repreendeu dizendo:
- Pobres sempre os terão para socorrê-los, mas a mim em pouco tempo não mais terão com vocês. Se não conseguiram apaziguar este jovem foi por falta de fé, tendo só esperança de conquistar o poder deste mundo, que está reservado aos grandes e ambiciosos.
E proseguiu:
- Maldito todo aquele que deseja a grandeza e glória deste mundo, que em breve desaparecerá com o sopro de meu Pai. Nem sequer do Templo ficará pedra sobre pedra, tudo haverá de ser destruído.
Disse-lhe o pai de Marcos ali tremendo e ajoelhado aos pés do Nazareno:
- Eu não quero conquistar o mundo, só desejo que meu filho retorne ao lar, onde eu e a mãe dele daremos todo abrigo e cuidado. Liberta meu filho, se você é realmente o Filho de Deus!
E Jesus lhe disse:
- Trago-o até mim.
O pai de Marcos gritou imediatamente:
- Filho, vem aqui e beije as mãos deste homem!
Jesus retrucou:
- Ninguém precisa beijar minhas mãos e muito menos meus pés. Sou um igual a você e seu filho. Meu Pai é também seu pai e pai de seu filho. No amor tanto o pai como o filho se igualam. O amor não faz diferença alguma. Meu Pai é também o seu pai e pai de toda criação e todas as criaturas são igualmente amadas, pois Ele as criou por amor e para amá-las para sempre.
O homem tremia e chorava e suplicava pelo filho que o trazia pela mão até Jesus, que o abraçou e o beijou, mas o rapaz caiu no chão e espumava pela boca, se esbravejando e rogando pragas ao seu pai, arregalando os olhos e tentanto agredi-lo uma vez mais.
Mas Jesus disse ao pai que chorava convulsivamente como uma criança:
- Seu filho está liberto desde já, porque jaz em seu amor de pai que nunca o abandonou e o acompanhou até aqui.
Os discípulos, porém, que já se tinham adiantados impacientes pela demora, gritaram para o Mestre:
- Veja que o rapaz se agita e se estrebucha no chão. Está possuído, vamos embora que os pobres nos esperam para lhe darmos pão!
Jesus se aproximou do filho de Marcos e lhe impôs as mãos sobre sua cabeça. O rapaz se agitou e rogou pragas ao pai, a Jesus e aos apóstolos, dizendo que possuía um legião de malfeitores, seus companheiros, e que bastaria uma ordem sua para que eles destruíssem tudo e a todos à sua volta, a menos que os deixasse abrigar naqueles porcos, que ali pastavam tranquilos, comendo gramas e fuçando a terra.
Jesus disse:
- Vão, mas deixem o jovem em paz para voltar com seu pai para a casa, onde sua mãe os espera e naquele lar haverá doravante somente alegria.
No mesmo instante que o filho de Marcos recuperou toda sua lucidez, pegou na mão do pai e refez o caminho de volta, houve uma debandada dos porcos que descerram em disparada colina abaixo e se jogaram no lago e se afogaram todos.
Vieram os moradores da região, donos dos porcos, e cobraram de Jesus o prejuízo pela perda de seus animais, ao que o Mestre lhes disse:
- Não lhes prejudiquei em nada, apenas libertei quem ontem foi gente que comia porcos. Se insistirem na dureza de seus corações, amanhã serão porcos comidos por gente.
Os apóstolos mais que impacientes gritaram:
- Mestre, venha e vamos que o dia já se vai, a noite chega e os pobres nos esperam, famintos!
Jesus em sua calma lhes respondeu:
- A vida é curta, mas o tempo é longo. Olhem para além do lago, naquela verde planície, e vejam os porcos que morreram afogados e, uma vez feito a travessia para além de si mesmos, agora são gentes caminhando lado a lado, de mãos atadas e de braços dados, se abraçando e se beijando no amor, todos unidos e rumando para a casa do Pai.
No evangelho de São Marcos narra-se um fato inusitado sobre uma manada de porcos que sossegadamente pastava numa encosta em cujo cimo havia uma colina e abaixo, uma lago profundo.
Por ali passava Jesus e seus discípulos numa estrada de terra batida que cortava a bela colina em direção a uma cidade de onde vinha um pai infeliz tentando controlar a conduta de um filho rebelde que certamente fugira de casa e o pai amoroso o acompanhou para livrá-lo de perigos e com a esperança de o reconduzir ao lar.
Não se tratava do filho pródigo do evangelho de São Lucas, porque este era um filhinho de papai rico e desejoso de aventuras, tanto que pediu antecipadamente sua parte de herança que só com a morte do pai rico haveria de ser dividida entre dois irmãos.
O que era comum entre os dois pais era o amor paterno, mas não a riqueza que estava com o pai da narrativa de Lucas e a pobreza com o pai da narração de Marcos.
A diferença entre os dois pais é que o de Lucas tinha dois filhos e nunca se encontrou com Jesus, a não ser em seu imaginário em forma de uma parábola, enquanto que o de Marcos tinha um filho único e teve a grande felicidade de se encontrar com o mestre enquanto este e seus discípulos trafegavam pela estrada poeirenta, enquanto porcos livremente pastavam em paz abaixo da bela colina e acima do lago profundo.
O pai de Lucas viu seu filho saindo de casa sem saber para onde iria, mas nunca perdeu a esperança de que ele retornasse, o que de fato aconteceu e terminou tudo em festa, apenas com um desmancha prazer do filho mais velho que não quis participar e ainda jogou na cara do pai que aparentemente valorizava mais o filho desgarrado do que ele, o filho fiel.
O pai de Lucas não proibiu seu filho mais novo de sair de casa, nem poderia fazê-lo, tanto que se convencionou de ser chamado biblicamente de filho pródigo, que vai embora com os bolsos cheios de dinheiro e depois volta pedindo para ser um simples criado da casa e é recebido como príncipe, vestido com trajes de linhos e ornado com um anel de ouro no dedo, além do churrasco e baile noite a dentro.
Se o pai de Lucas tinha tantos recursos para distribuir entre os dois filhos e ainda fazer festa pra quem depois de ter dissipado sua fortuna, herdada de mãos beijadas, com prostitutas, festanças e falsos amigos, o pai de Marcos nada tinha a oferecer ao filho fujão, senão deixar sua mulher e mãezinha de um filho doente, chorando pelo marido e pelo filho que só queria sua liberdade e ficar bem longe de ambos.
É certo que o filho de Lucas sofreu as consequências de sua loucura, perdeu até a esperança de reaver sua condição de filho, mas enfim teve sorte e foi recepcionado na casa paterna, podendo até dançar, quem sabe, com seu primeiro amor que com um belo sorriso também o esperava para selar o noivado e se casar em breve com mais festas ainda.
Já o filho de Marcos não deixou nada para trás, a não ser seu barraco e sua mãezinha chorando e saiu de bolsos vazios, esbravejando e xingando aqueles que lhe deram a vida que ele nunca pediu e se desgostou de viver, por ter nascido pobre e epiléptico.
Quem explica tanto sofrimento para este filho e para seus pais? Mais um mistério da vida e que não se resolve com explicações, senão com amor.
Foi o que o pai de Marcos tentou resolver, certamente muitas vezes e perdendo tantas noites de sono e a solução nunca chegou naquele pobre lar, onde uma mãe chorava todos os dias pelo filho doente e o pai nada podia fazer, até que o filho fugiu desvairado e ele foi atrás para o acompanhar em seu descaminho obscuro e desconhecido.
O filho adiante gritando frases desconexas e ameaçando o pai que o acompanhava, tentava abraçá-lo e era sempre repelido com socos e pontapés. Era um pai misericordioso que iria até ao fim do mundo, mas não abandonaria nunca seu filho querido, que não sabia o que estava fazendo. Morreria por ele e com ele, mas nunca o abandonaria, tão só por amor, nunca por dinheiro que ele não tinha e muito menos por festanças de que nunca pode desfrutar.
Enquanto ambos caminhavam, às vezes lado a lado, mas quase sempre o filho adiante se afastando do pai e o pai atrás sem nunca o perder de vista, eis que naquela estrada, que cortava a colina coberta de árvores, arbustos e relvas verdes, surge um grupo de pessoas logo após uma curva.
Vinha à frente um homem barbudo, forte e moreno, na flor da idade, e logo atrás, discutindo quem deles seria o maior, um grupo de outros doze, barbichas também, todos calçados de sandálias poeirentas e parecendo se desentender e até quase se atracando.
Os olhos do pai de Marcos brilharam de esperança e se adiantou ao filho fujão e se prostrou junto ao líder do grupo, pois o reconheceu como Jesus, de quem tanto ouvira falar, de seus feitos, de sua ternura, de sua bondade, de dar esperança para solução de todos os problemas e até realizando milagres.
Que feliz encontro. Já o tinha procurado e nunca o encontrado em parte alguma, só se ouviam falar desse homem extraordinário, mas onde estaria? Estava ali e agora diante dele e de seu filho doente. Sua esperança que nunca tinha morrido, agora estava mais viva do que nunca.
- O que espera de mim?
Foi a pergunta que ouviu e seus seguidores tentaram dissuadir o Mestre.
- Este rapaz tem um demônio e nós já tentamos expulsá-lo e não conseguimos. Não vamos perder tempo, pois temos que socorrer os pobres com nossas esmolas.
Jesus os repreendeu dizendo:
- Pobres sempre os terão para socorrê-los, mas a mim em pouco tempo não mais terão com vocês. Se não conseguiram apaziguar este jovem foi por falta de fé, tendo só esperança de conquistar o poder deste mundo, que está reservado aos grandes e ambiciosos.
E proseguiu:
- Maldito todo aquele que deseja a grandeza e glória deste mundo, que em breve desaparecerá com o sopro de meu Pai. Nem sequer do Templo ficará pedra sobre pedra, tudo haverá de ser destruído.
Disse-lhe o pai de Marcos ali tremendo e ajoelhado aos pés do Nazareno:
- Eu não quero conquistar o mundo, só desejo que meu filho retorne ao lar, onde eu e a mãe dele daremos todo abrigo e cuidado. Liberta meu filho, se você é realmente o Filho de Deus!
E Jesus lhe disse:
- Trago-o até mim.
O pai de Marcos gritou imediatamente:
- Filho, vem aqui e beije as mãos deste homem!
Jesus retrucou:
- Ninguém precisa beijar minhas mãos e muito menos meus pés. Sou um igual a você e seu filho. Meu Pai é também seu pai e pai de seu filho. No amor tanto o pai como o filho se igualam. O amor não faz diferença alguma. Meu Pai é também o seu pai e pai de toda criação e todas as criaturas são igualmente amadas, pois Ele as criou por amor e para amá-las para sempre.
O homem tremia e chorava e suplicava pelo filho que o trazia pela mão até Jesus, que o abraçou e o beijou, mas o rapaz caiu no chão e espumava pela boca, se esbravejando e rogando pragas ao seu pai, arregalando os olhos e tentanto agredi-lo uma vez mais.
Mas Jesus disse ao pai que chorava convulsivamente como uma criança:
- Seu filho está liberto desde já, porque jaz em seu amor de pai que nunca o abandonou e o acompanhou até aqui.
Os discípulos, porém, que já se tinham adiantados impacientes pela demora, gritaram para o Mestre:
- Veja que o rapaz se agita e se estrebucha no chão. Está possuído, vamos embora que os pobres nos esperam para lhe darmos pão!
Jesus se aproximou do filho de Marcos e lhe impôs as mãos sobre sua cabeça. O rapaz se agitou e rogou pragas ao pai, a Jesus e aos apóstolos, dizendo que possuía um legião de malfeitores, seus companheiros, e que bastaria uma ordem sua para que eles destruíssem tudo e a todos à sua volta, a menos que os deixasse abrigar naqueles porcos, que ali pastavam tranquilos, comendo gramas e fuçando a terra.
Jesus disse:
- Vão, mas deixem o jovem em paz para voltar com seu pai para a casa, onde sua mãe os espera e naquele lar haverá doravante somente alegria.
No mesmo instante que o filho de Marcos recuperou toda sua lucidez, pegou na mão do pai e refez o caminho de volta, houve uma debandada dos porcos que descerram em disparada colina abaixo e se jogaram no lago e se afogaram todos.
Vieram os moradores da região, donos dos porcos, e cobraram de Jesus o prejuízo pela perda de seus animais, ao que o Mestre lhes disse:
- Não lhes prejudiquei em nada, apenas libertei quem ontem foi gente que comia porcos. Se insistirem na dureza de seus corações, amanhã serão porcos comidos por gente.
Os apóstolos mais que impacientes gritaram:
- Mestre, venha e vamos que o dia já se vai, a noite chega e os pobres nos esperam, famintos!
Jesus em sua calma lhes respondeu:
- A vida é curta, mas o tempo é longo. Olhem para além do lago, naquela verde planície, e vejam os porcos que morreram afogados e, uma vez feito a travessia para além de si mesmos, agora são gentes caminhando lado a lado, de mãos atadas e de braços dados, se abraçando e se beijando no amor, todos unidos e rumando para a casa do Pai.