Diário do Andarilho (O ultimo homem).
No fim caminhava eu pela terra cinza. Já não havia um vivente além de mim em toda a extensão daquele horizonte desolado. Não sei o que ainda fazia naquele planeta decadente, talvez gostasse de ver as ruínas do que um dia foram edifícios colossais, ou só procurasse algo de valor em meio aos entulhos de uma raça extinta.
Andei por horas, talvez dias até que encontrei algo curioso. Uma criatura que assim como eu vagava sem rumo. Quando ele me viu correu em minha direção e logo vi que éramos semelhantes fisicamente. “Um humano. Um espécime raro, talvez este seja o último.”
– Finalmente encontrei alguém – ele disse com um sorriso absurdamente largo no rosto.
Ele tinha o tronco despido e de tão magro era possível contar suas costelas. A barba era um emaranhado de sujeira e fios quebrados, enquanto o rosto ressecado dava-lhe uma aparência cadavérica.
– Não vai acreditar por quanto tempo andei e o número de mortos que vi – ele continuou recuperando o fôlego.
– Desculpe amigo, mas não sou um dos teus – eu disse. – Vim de longe, chamam-me de Andarilho, pois vago pelo universo observando-o.
O homem sentou-se no chão e passou a contemplar uma fotografia que guardava com as mãos esqueléticas.
– Então, diga-me qual o seu nome? – perguntei.
– Adão – ele respondeu secamente.
– Infelizmente amigo você é o ultimo de sua espécie, mas se quiser pode contar-me como foram os dias finais do seu povo e eu anotarei em meu diário para que não sejam esquecidos.
Ele ficou estático por um tempo, acho que estava tentando digerir a informação.
– Se já não me resta nada mesmo, direi o que aconteceu – ele iniciou.
“E houve luz. Em toda parte do mundo. Era a descoberta das novas tecnologias, o fogo das nossas queimadas e as explosões das armas de guerra. Depois disso veio à escuridão, a fumaça tomou conta dos céus e já não havia diferença entre dia e noite. Sob a terra restaram somente nossas moradas de concreto, quanto às plantas e oceanos, só os conheço por fotos e antigos filmes.”
“Onde o céu não está coberto por cinzas é possível ver o sol e a lua, mas seria suicídio ir lá. E as únicas aves e peixes que ainda restam são as dos criadouros nas cidades.”
– Então essas foram às causas do fim da humanidade? – interrompi.
– Isso e a “doença”. Ninguém descobriu de onde ela veio ou se existia cura. Veja.
Ele levantou o braço e pude ver uma ferida horrível, a pele em volta estava rachada e esbranquiçada.
– E como você conseguiu viver mais que os outros, Adão?
– Não sei. Acho que devo ter algum tipo de resistência – o homem usou a fotografia para coçar a ferida e enquanto o fazia a pele rachada era desprendida da carne em forma de pó e levada pelo vento.
Após ele se recompor, prosseguiu com o relato:
“A única coisa que se sabia sobre a doença é que os infectados morriam sem fôlego. Quando aparentemente todos haviam morrido, só restamos eu e minha filhinha.”
Ele estendeu a fotografia e vi este mesmo homem antes de parecer um cadáver. Estava sorrindo e abraçando uma bela garotinha.
– Ela morreu a poucos dias nos meus braços e não sei o porquê de ainda estar vivo – ele disse quase sussurrando um gemido.
Logo Adão baixou a cabeça quando eu perguntei:
– Qual era o nome dela?
E eu chorei quando ele disse:
– Esperança.
Andei com Adão por seis dias, pois não é bom que o homem viva só. Conversamos, comemos e bebemos o que restou daquele mundo.
No sétimo dia, ele descansou.