Não há muita coisa lá fora

Domingo. Noite. Chuva. Toc-toc. Abri a porta. Um velho amigo. Estava bêbado e parecia ter chorado recentemente. "Mulheres", pensei. "Sente-se"disse a ele, indicando um sofá. Fui até a cozinha, peguei dois copos e uma garrafa de Dreher pela metade. Retornei para a sala, deixei tudo na mesa de centro e sentei no sofá de frente para ele. Percebi que ele tremia um pouco.

"Ainda bem que você estava em casa"

"Normalmente não saio. Não há muita coisa lá fora". Ficamos olhando um para o outro por uns segundos. Estávamos ficando velhos, isso não era nada bom e sabíamos disso. Enchi os copos. Bebemos em silêncio. Eu ainda estava sóbrio, miraculosamente não havia bebido nada naquele dia. Permanecemos em silêncio, escutando a chuva, incessante, inclemente.

"Meu rádio foi pro saco. Queimou", eu disse

"É uma pena. Seria bom ouvir música agora", ele disse

"E é mesmo", eu disse.

Mais silêncio. Ele virou o copo e tornou a enchê-lo. Então ficou passando o copo de uma mão para a outra, vagarosamente, mirando o líquido amarelado ali dentro, como se estivesse procurando nele as palavras.

"Por que as mulheres vão embora quando mais precisamos delas?" Ele fez essa pergunta tão abruptamente que até me assustei com sua voz. "Ela disse que não há outro cara. Quer um tempo pra ela. Mas sempre há outro, não é?"

Terminei meu copo e enchi outro. Bebi um gole. Ia dar trabalho.

"Depende", comecei, não muito certo do que dizia, como se estivesse elaborando meu raciocínio a cerca do assunto à medida que as palavras saíam da minha boca.

"Às vezes tem outro cara, sim. Às vezes real e raramente não há ninguém. Às vezes tem uma mulher. Já soube de muitos casos assim. Às vezes existem vários caras..." Parei. Meu amigo estava chorando de novo. Percebi que não estava ajudando. Definitivamente, eu era um péssimo conselheiro. No entanto, eu precisava dizer alguma coisa. Recomecei: "Olha, se ajuda dizer isso, já estive várias vezes desse lado da mesa. Sei o quanto dói. Mas você perguntou "Por que elas vão embora?", e bem, acho que tenho uma resposta razoável. Algumas vão porque querem uma aventura. Outras, porque nós somos a aventura, ignoramos esse fato, e então, do dia pra noite elas partem à procura de um lance sério. Umas voltam. Outras jamais".

Acendi um cigarro e bebi mais um gole. Ele me ouvia com atenção. Afinal, eu estava me saindo bem.

"Mas o correto é não esperar que elas voltem. Não deixar que elas saibam a falta que nos fazem..." E segui pregando a velha ladainha de consolo. Depois contei uns perrengues que passei com mulheres, histórias que outrora eram dolorosas a menor lembrança, mas que com o passar do tempo, tornaram-se enredos engraçados, dramalhões cômicos. Rimos um bocado. Então seguimos bebendo e logo estávamos conversando trivialidades. Depois de uma hora meu amigo levantou e anunciou sua partida. Levei ele até o portão. A chuva havia dado uma trégua. Nos despedimos. Antes de entrar no carro, ele me olhou mais uma vez. Parecia um pouco melhor do que antes. Muito bem.

Voltei para a sala e terminei o restinho da garrafa sozinho, pensando em como seria a próxima mulher que me foderia completamente. Quando acabei a garrafa, apaguei as luzes e deitei no sofá. Acendi um cigarro e fiquei olhando para o teto, tentando não pensar. A chuva recomeçou com força do lado de fora. Comecei a me sentir esmagado pelo escuro. Fiquei torcendo pra que o sono chegasse depressa. Me perguntei para onde teria ido o meu amigo. Permaneci fumando e olhando o teto. Não havia mais nada a se fazer. Às vezes simplesmente não há.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 04/11/2015
Reeditado em 05/12/2015
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