Perdida
1
Ele acordava todo dia cedo para correr.
Ela ficava deitada na cama, ele lhe beijava a testa e saia, para ficar pelo menos uma hora lá fora.
Eles já estavam morando juntos a 1 ano, e essa rotina se repetia todos os dias, sem exceção.
Foi um começo de namoro mágico, em que ambos viviam um grudado no outro, cada olhar era seguido de um sorriso e ambos adoravam desperdiçar um "eu te amo".
Mas de uns tempos pra cá, as coisas pareciam um pouco estranhas. Ela começou a perceber ele um pouco distante, talvez reservado.
Ela não perguntou o motivo e nem quis conversar sobre o assunto, apenas sabia.
2
Numa dessas manhãs, ele esqueceu o celular em casa.
Foi a partir daí que de fato tudo mudou.
Ela levantou da cama e percebeu que ele recebia algumas notificações. Eles sempre respeitaram a privacidade um do outro, mas apenas dessa vez, por mera curiosidade, ela desbloqueou a tela e leu na pré-visualização: "Estou te esperando".
Era um nome feminino.
3
A partir de então, ela entrou num turbilhão de pensamentos.
Começou a imaginar que talvez fosse uma conhecida que corria junto com ele. Talvez alguma colega do trabalho.
Achou melhor não perguntar.
4
Nas semanas que se seguiram ele estava cada vez mais distante.
Quanto mais ela tentava ae aproximar, mais sentia que ele não queria estar lá.
As conversas começaram a se tornar raras, rápidas e evasivas.
Ela só queria que tudo voltasse ao normal.
Mas não voltava, e não voltaria.
5
Um belo dia, daqueles de sol e pessoas se divertindo na rua.
Ela já começava a se conformar que as coisas a partir de então seriam diferentes.
Voltou pra casa e ele já estava lá. Ela se deparou com uma mochila de roupas no chão.
Ele estava do outro lado da cozinha, apenas a encarando.
Um olhar frio, que não expressava sentimentos.
Ela olhou para ele, não disse nada. A primeira lágrima escorreu.
Para ela, a situação era inconcebível.
Se voltou para a porta e correu.
Ele foi atrás dela.
Se ela olhasse para os lados e visse o sedan em alta velocidade talvez não tivesse acontecido.
O motorista sequer parou para socorrer.
Ele conseguiu chegar a tempo de lhe dirigir um último olhar, ver uma última lágrima lhe escorrer.
Ele nunca soube se ela ouviu, mas as últimas palavras que lhe disse foram aquelas, que num passado perdido tantas vezes já lhe dissera: "eu te amo".