Mil e duas faces de Maria Sílvia Campoamor Sales, née Valdilene dos Santos (Rosália Silva)

“Fui a melhor amiga de Val na adolescência, vizinhas desde sempre e brigávamos por tudo: boneca, revistinhas, até bola de gude... Apenas aos doze ou treze anos começamos a nos entender, acho que por consciência mútua da pobreza, dos obstáculos, dos sonhos. A parede geminada de nossas casas parecia papelão, e, às vezes o que havia para comer era parede ou papelão. Só sabe quem passa!... Ela repetia ‘tenho que sair daqui’ como um mantra, a cada começo, meio e fim de conversa, e aquilo me aborrecia, porque eu também queria coisa melhor, mas não detinha sua inteligência e disposição – de fato, ainda estou por aqui... Ela fazia planos de estudar, trabalhar, viajar, 'viver', como dizia – coisas que nunca começava porque a mãe era doentinha, coitada, e Val cuidava dela – nas circunstâncias, muito bem, por sinal. O pai havia sumido no mundo quando ela tinha uns dez anos, então, o estrago já estava feito... Lembro o dia em que a mãe morreu, Val pedindo dinheiro emprestado para pagar o enterro, e, depois de tudo, suspirando fundo e repetindo ‘estou livre, livre, LIVRE’, no começo um sussurro rouco, ao fim tranquila, determinada. No dia seguinte, sequer o rastro ela deixou, mas depois recebi uma carta, onde ela dizia que tudo estava 'indo como o previsto'. Não entendi nem respondi, e nunca mais soube notícias dela. Essa tal Maria Sílvia nunca conheci, não...”

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 27/10/2015
Reeditado em 20/04/2021
Código do texto: T5429054
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