Mil e duas faces de Maria Sílvia Campoamor Sales, née Valdilene dos Santos (Maria do Carmo)
“Minha patroinha, tão boa, tão boa! Eu não me conformo, não, nunca, nunquinha! Ah, moço, o senhor nem imagina: meu filho se meteu com quem não devia, sabe? Esse povo novo parece que tem minhoca na cabeça: pegou bagulho deles, tomou gosto pela coisa, aí, não teve como fazer render, né? Um dia, bem cedinho, bateram lá em casa um sujeito magro, com cara esburacada e topete comprido que nem o cano na cintura, e outro, branquelo de olho preto meio morto, boca de chiclete e mão dura, e levaram a televisão que eu ainda nem tinha terminado de pagar. ‘Diga ao moleque que a bichinha fica empenhada por sete dias a partir de hoje, viu, dona?, e que o chefe quer o resgate em espécie, nada de muamba.’ Moço, bagulho virei eu! Meu intestino arriou, faltei naquele dia – justo quando seria a mudança no quarto – ela tinha disso, sabe?, de mudar os móveis de lugar de vez em quando... Mas fazia tudo planejado, não era de momento, não, que era para não 'perturbar a rotina da casa', como dizia. Veja que até nisso ela pensava na gente!... No dia seguinte eu cheguei lá meio jururu, ela me chamou de lado e perguntou tudo – ah, sim, quando ela queria saber, per-gun-ta-va! – e eu respondi tu-di-nho, e ela com aqueles olhos de piscina funda, muito calma... Aí mandou o motorista buscar meu filho, imprensou o criador de minhoca na parede, e ele cantou fino, feito passarinho que passa fome. Mas ela sabia fazer as coisas, ora, se! Pensa que deu o dinheiro pra ele? Nada! Foi à fonte vestida de lavadeira. ‘Não se deve mostrar nem o banco de reserva quando se joga com essa gente, Carminha!’. E voltou com a televisão. Depois arrumou emprego pro meu garoto, fora do Estado, casa e comida, como jardineiro de um amigo dela. O ingrato ainda ensaiou um ‘não sei nadica de nada de planta, D. Sílvia...’ Ela, na bucha: ‘Ora, então aprenda! Quando souber plantar, entro como sócia! E adeus, atravessadores! - certo?' Agora, diga: dá para se conformar, moço?”