A Caixa
Uma senhora vinha descendo a rua carregando uma caixa. Lia, uma menina muito curiosa, perguntou:
- O que a senhora leva nesta caixa?
- Minhas dores, tristezas, esqueletos, fantasmas. Tudo o que me marcou na vida
- Esqueletos e fantasmas de verdade?
- Não, é somente uma forma de me referir às coisas dolorosas.
- Mas tem três caixinhas em cima. O que são?
- A minha força, a minha coragem, a minha alegria.
- A caixa grande é pesada?
- Quer segurá-la? Segure todas juntas
- Muito leve.
- Sim, agora eu vou retirar as três caixinhas menores
- Nossa, é muito pesada. Não entendo.
- Minha doce menina, o peso da dor é aliviado pelo conteúdo das caixinhas de cima.
- Não entendo. É tão sem lógica.
- Você já ouviu falar em Pandora?
- Sim, mas não entendo muito.
- Foi deixada com Pandora, uma menina muito curiosa como você, uma caixa que ela não deveria abrir. Mas Pandora não resistiu e a abriu. E todas as dores e sofrimentos do mundo escaparam da caixa e estão por aí, nos aterrorizando. Esta é a minha caixa de Pandora!
Um homem se aproximou das duas e disse:
- Boa tarde, senhora! Lia, minha filha, quem é esta senhora com quem conversas?
- Uma amiga. Pai, a caixa dela fica mais pesada se ela tirar as três caixinhas de cima, mas com as caixinhas fica leve como uma pluma.
- Não entendi.
- Pai, é o seguinte: a caixa grande contem as dores dela e as de cima a alegria, a coragem e a força. Por isso fica mais fácil carregar as quatro juntas.
- Muito prazer, senhora. Eu sou o pai da Lia e sou psicólogo. Consegui entender sua história. Será que eu não poderia ajudá-la a se livrar da caixa das dores?
- Meu amigo, eu não estou preparada para enfrentar minhas dores e feridas, prefiro a ajuda das três caixinhas para me ajudarem a carregar o fardo que a vida me deu.
- A senhora deveria tentar.
- Tenho o direito de não encarar o que me é tão doloroso. Sou covarde, sensível em excesso, não sei. Mas o senhor sabe que as três caixinhas contém o substituto para o que o senhor me oferece.
- Sim, sei exatamente. E respeito sua decisão. Nem sempre é fácil e indolor enfrentar os pesos que a vida vai nos dando. Poucos querem reviver as coisas que os machucaram.
- Obrigada por me entender. Eu preciso seguir meu caminho. Adeus, linda menina! Adeus, senhor!
Ela continuou caminhando lentamente, pois já não tem pressa.
A menina olhou para a mulher e perguntou ao pai:
- O que há naquelas três caixinhas?
- Ela não te disse? Força, coragem e alegria.
- Entendo ...
Lúcio parou e pensou: Sim, tudo embalado em tarjas pretas.
Segurou a mão de sua filha e a conduziu gentilmente para casa, pensando ainda no impacto que o encontro com a senhora lhe causou. Interiormente ele se perguntou: Não será ela mais forte do que os meus pacientes? Afinal, ela não se libertou de seus fantasmas, apenas esconde-os, ergue a cabeça, toma seus remédios .... e vai em frente.
Campos dos Goytacazes, 21 de outubro de 2015 – 15:59 horas