Solidiário

2/2

E aqui estou, só como desejei. Mas o que é estar só? Acho que entendi a solidão de forma equivocada: a solidão, em si, é uma companhia. Escolher estar só é escolher uma companhia a todas as outras. Como tantas pessoas fazem nesses tempos eletrônicos. Porém a maioria das pessoas não a escolhe, apenas a aceita. Eu, não. Porque cansei de não poder viver o amor que pretendia, a entrega total. Cansei de me dividir em mil e não poder ser aquela que queria para quem merece. Por isso a escolhi em meio a tantas outras possibilidades. Não sei o que ele escolherá, mas com certeza será uma pessoa que poderá dar-lhe muito mais do que eu pude. A solidão não, ela é minha, não a dividirei. Nem com ele.

9/3

O tempo tem passado tão rápido que ainda não tive tempo de contabilizar as perdas. Além do mais, a solidão tem-se revelado uma ótima companhia: tem-me permitido ser eu mesma, no silêncio inclusive. Ela é real como estas máquinas que ligo na espera de ver algum sinal da companhia que me falta. Aquela, em que ainda penso. Aquela a que não pude me entregar totalmente porque também minha vida, a real, não me pertence na sua totalidade. Aquela, a que troquei pela solidão.

25/5

Estamos nos comunicando. Estou sozinha, mas ele também está. Ou ao menos parece estar, quando se aproxima de mim através dos meios eletrônicos. Somos companhias virtuais, ainda que tenhamos sido reais por um longo tempo. Virtuais no sentido tecnológico, atual, do termo; e também de algo que é suscetível de acontecer, de exercer-se embora não esteja em exercício no momento, algo que existe em potencial: se quisermos, é só marcar um encontro. Mas não é este o objetivo. Não quero que voltemos ao início para novamente chegar ao impasse, ao ponto final. Então continuamos assim, dois focos numa tela, formados pelo prolongamento dos raios luminosos.

18/6

Chegamos à conclusão de que continuamos nos amando. Mas agora não nos encontramos mais. Transferimos para a tecnologia sensações que são mais antigas que a roda. De companhias virtuais passamos a amantes virtuais. E assim ficamos muito tempo em frente às telas, nos lembrando de tudo o que vivemos, das viagens que fazíamos, das aventuras pelas quais passamos, das pessoas que conhecemos juntos. Focos em comunhão, amores virtuais. Tão fácil, tão moderno... e sem as agruras da vida real.

13/7

Ele quer me ver. Para que? Já me conhece bem, sabe como sou, sabe do que gosto, pode até descrever todos os meus hábitos... não, ser real já se desgastou, quero-o virtualmente amado, quero estar sempre à sua disposição – como quando me sento em frente à tela e sou um raio luminoso exclusivamente dele, da forma como nunca pude ser na vida real. Sem laços outros, ao menos naqueles momentos em que nos amamos eletronicamente. Deveria ter criado um avatar para que ele se esquecesse de mim, daquela que sou diariamente, e se apaixonasse por alguém diferente, irreal. Pois que de outra forma jamais poderia lhe dar o que dou assim. Amar virtualmente é mais simples. Não quero passar por tudo de novo, ter de explicar-lhe novamente por que tenho que ser só. Ou melhor, por que em seu detrimento escolhi a solidão como companheira. Não, ela não é digna de ciúmes: nosso virtual amor só existe por conta dela. Porque, se estivéssemos fisicamente juntos, como antes, a vida real se encarregaria – como de fato se encarregou – de destruir o que construímos. Já este amor, que não existe de fato, é indestrutível.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Virtualmente, amor"

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