Ainda sem Nome

A primeira manhã do verão fora de chuva. As pessoas corriam para se proteger debaixo dos toldos das lojas ou simplesmente se deixavam molhar enquanto caminhavam. Miriam se enquadrava no segundo grupo. Andava a esmo, sem se preocupar com os grossos pingos molhando sua roupa ou com os empurrões que recebia das pessoas apressadas. Simplesmente ignorara os conselhos de Joana, que lhe mandara sair agasalhada. Queria sentir o toque gelado da chuva, talvez isso tornasse mais fácil decidir o que fazer. Parando embaixo de um dos poucos toldos que ainda não estava lotado de gente, resolveu verificar o celular. As trinta ligações ainda estavam lá, as mensagens de texto também e nem parou para verificar os e-mails, que provavelmente eram muitos. Suspirando e resistindo à vontade de lançar o aparelho contra uma poça de lama das que já se formavam na calçada, o recolocou na bolsa. Finalmente sentiu frio, suas roupas encharcadas grudavam em sua pele, suas mãos tremiam involuntariamente. Resolveu que precisava se aquecer, ou pegaria um belo resfriado. Olhando para trás, notou que estava em frente a uma delicatessen. Não seria uma má ideia tomar um café. O lugar não estava cheio, apenas algumas pessoas tomavam chocolate quente no balcão e outras conversavam em algumas mesas isoladas. Os cheiros variados de doces, café, ovos e queijo derretido fizeram ela perceber o quanto estava faminta. Se aproximou do galpão e esperou que uma garçonete sorridente terminasse de servir um dos poucos clientes e caminhasse até ela com o cardápio.

-Bom dia, senhora! - Miriam não tinha certeza se deveria responder, já que aquele estava longe de ser um bom dia. Mas sorriu de volta para a garota, que lhe entregou o cardápio.

- Eu vou querer um cappuccino e ...- Olhou com atenção as opções de tortas para o café e escolheu a que lhe pareceu menos ruim.- E torta de coco, sem creme, por favor.

- Sim, senhora! – A garota se afastou e Miriam se ocupou em aquecer as mãos, que ainda estavam trêmulas. O lugar estava mais quente que o lado de fora, mas o ar condicionado estava fazendo suas roupas parecerem ainda mais molhadas do que realmente estavam. Além disso, estavam mostrando mais do que ela queria. Se ajeitou melhor no banco e passou os braços em torno de si.

-Me desculpe...- Um homem aproximou-se dela. Ele estava sentado em uma das mesas, ela o vira ao entrar. – Posso? – Ele lhe estendeu um casaco de lá azul.

-Não, obrigada! – Recusou com um gesto.

-Por favor, aceite. – O homem colocou o casaco em seus ombros antes que ela pudesse protestar.

-Senhor, eu já disse que...- Ele a interrompeu com um gesto, sentando-se mais perto.

-Não se preocupe, não vim aqui para seduzi-la ou algo assim. – Ele fez um gesto discreto em direção a uma mesa onde três homens bebiam café e riam.- Só acho que não deveria sair sem um casaco num tempo desses. – Notando que os homens olharam de relance em sua direção, agradeceu mentalmente por ele aparecer.

-Obrigada!

-Meu nome é Eduardo.

-Sou Miriam.

-Está tentando pegar um resfriado, Miriam? – Ele pronunciava seu nome com um leve sotaque.

-Não era a intensão. Só queria relaxar um pouco, pensei que a chuva pudesse ajudar. – Ela apertou mais o casaco contra os ombros. A sensação do tecido em contato com sua pele era muito agradável. Além disso, o perfume que se desprendia era delicioso, como uma mistura de conhaque e alecrim. Ficaram em silêncio por um longo tempo. A garçonete chegou com uma bandeja e a colocou sobre o balcão, diante de Mirian, depois saiu. Ela começou a beber o café esperando que ele ajudasse a melhorar a sensação de incomodo na sua garganta. Eduardo a observava, capturava cada movimento vagaroso, olhando como ela ajeitava uma mecha de cabelo atrás da orelha enquanto recolocava a xícara sobre o balcão.

-Você não é daqui, é?- O som da sua voz o trouxe de volta para a realidade.

-Notou meu sotaque?

-Sim! Me desculpe, mas é impossível não notar.

-Nossa, eu pensei que poderia passar desapercebido. Eu sou de Santa Catarina.

-O que um catarinense faz por estas bandas?

-Estou expandindo os meus negócios.

-Huum, você é empresário?

-Micro empresário, sou dono de uma pequena loja de móveis antigos. Em Santa Catarina as coisas estavam difíceis, por isso vim para cá, tenho esperanças de que o negócio funcione melhor por aqui.

-Que interessante!- Voltando ao hiato, ficaram por alguns minutos admirando o ir e vim das garçonetes do outro lado do balcão. Parecia que elas praticavam um balé perfeito no qual um erro, por menor que fosse, poderia provocar a tragédia de derrubar as bandejas que equilibravam nas pontas dos dedos. As moças balançavam os cabelos, sorrindo para todos, entregando cardápios, levando pedidos, mal se incomodavam com as piadas de mal gosto dos clientes mais impertinentes. Mirian pensava sobre isso quando notou que Eduardo estava olhando para ela com um ar tímido. Não tinha reparado, mas ele era bem bonito. Os olhos azuis, os cabelos castanhos levemente despenteados e, é claro, o rosto anguloso e perfeito. Parecia-se muito com um daqueles príncipes que povoavam sua imaginação adolescente, mas que ela aprendeu angustiosamente que não passavam de fantasia. No entanto, Eduardo estava ali. Joana costumava dizer que ela criava expectativas exageradas em torno de acontecimentos fortuitos, mas o que podia fazer? As melhores coisas da sua vida aconteceram em momentos assim, sem muita relevância. Seria Eduardo mais uma destas coisas? Seus olhos encontraram-se por um instante e ela corou diante dos seus pensamentos. Ele sorrira.

-Posso perguntar o que você faz?

-Depende...o que, exatamente, você quer saber? O que faço para ganhar a vida, para me divertir...

-Pode ser os dois...

-Bom, no presente momento, posso me considerar desempregada.

-No presente momento? Isso quer dizer que você tinha um emprego até pouco tempo...

-Para falar a verdade, eu tenho. Eu sou jornalista da Gazeta de Notícias...ou era.

-Foi demitida?

-Não, estou prestes a pedir demissão. Por isso eu estava caminhando na chuva, para tentar colocar as ideias no lugar e tomar a decisão correta.

-Conseguiu pensar em algo?

-Para ser sincera, não! – Um leve sorriso se esboçou em seu rosto, ao que ele retribuiu.

-Bom, então é melhor tentar de novo. Mas recomendo que use um guarda-chuva, pois pode pegar um belo resfriado. – Prestando atenção a mesa atrás deles, Eduardo notara que os homens haviam partido. Já que Mirian estava segura, sentia-se à vontade para despedir-se, tinha um compromisso e já estava muito atrasado. – Foi um prazer te conhecer, Mirian.

-Ué, você já vai?

-Preciso ir, tenho um compromisso. Mas foi muito agradável passar estas horas com você.

-Digo o mesmo...

-Espero que nos vejamos novamente...talvez em circunstâncias melhores. – Acenando, saiu pela porta rapidamente, tentando escapar da chuva que ficava cada vez mais forte. Olhando para a porta que acabara de se fechar, Mirian sentia-se um pouco louca por dar atenção a um estranho mas, ao mesmo tempo, sentia-se anestesiada pela delicadeza com que ele a tratou. Joana diria que ela estava assistindo filmes demais, mas Eduardo não fora uma comédia romântica de sessão da tarde. Suspirando, começou a recolher as suas coisas para ir embora. Quando levantou-se do banco, sentiu o casaco deslizar dos seus ombros e cair no chão.

-Oh meu Deus, ele esqueceu o casaco...- Abaixando-se para pegar, sentiu novamente a textura do tecido e o cheiro suave do perfume masculino que desprendia-se dele. Bom, talvez o destino estivesse lhe mandando a confirmação para sua pergunta. O casaco seria uma bela deixa para vê-lo de novo. Colocando o dinheiro da conta sobre o balcão, saiu vestida com o casaco de lã azul, estava disposta a devolvê-lo em breve.

Gente, este é o primeiro capítulo de uma série que pretendo publicar, mas preciso da opinião de vocês. Quero que vire livro, mas preciso da ajuda de todos. Aceito críticas...

Carol S Antunes
Enviado por Carol S Antunes em 18/10/2015
Reeditado em 19/05/2019
Código do texto: T5419208
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