AS DORES DO MUNDO

O que a família, os amigos e o mundo não perceberam é que Elza chorava as dores do mundo.

Quando tomou noção do lado melancólico da vida, Elza externizou aquilo que a humanidade esconde: a constatação de que a Vida é um composto insolúvel de dor, angústia, melancolia e sofrimento.

Elza não conseguiu fazer como todos os outros fazem. Ela até tentou, mas não foi capaz de negar que o fim é inexorável, que a realidade sucumbe e que o fenômeno é deletério.

Elza compreendeu a realidade a partir dos cemitérios, dos hospitais, das cadeias, das senzalas, das fábricas, das favelas, dos sanatórios...

Suas lágrimas denotavam os sentimentos de amargura traduzidos pelos que sofrem: a mãe ao ver seu filho chorando por comida; o pai voltando para casa sem trazer o alimento pra família e o mancebo vendo sua amada falecer, por envenenamento, em seus braços.

Para Elza, a Vida era aquela sentida pela esposa abandonada, pelo rapaz que sofre ininterruptamente com câncer no estômago, pela criança que nasceu paraplégica e não pode correr nem brincar.

Elza chorava pelas mães que perderam seus filhos na guerra, pelos pais que tiveram suas filhas estupradas e que nada puderam fazer para defendê-las. Ela chorava, também, pelas crianças que sofrem a falta d’água causada pela seca, pelos animais que agonizam na hora do abate, antes de se tornar alimento e servir à mesa do homem.

Elza percebeu que a Vida, além de desperdício, é também dor, sofrimento, tormento e angustia.

Ninguém percebeu isso, só Elza.

Ninguém viu; ninguém notou; ninguém percebeu que o mundo se divide em duas partes: uma grande e outra pequena. Na parte pequena do mundo estão uns poucos que vivem bem, que se alimentam bem e que gozam de boa saúde física e mental. Do outro lado, no lado maior, estão os que sofrem diariamente as adversidades da Vida, sejam elas financeiras ou existenciais. Elza se deu conta disso. E por não aceitar, como todos os outros fazem, Elza sucumbiu em prantos.

Sua mãe, sua família, seus amigos, por estarem condicionados numa perspectiva que escamoteia o lado soturno da Vida, acharam que ela fosse portadora de alguma patologia crônica e nunca a entenderam. Levará muito tempo até que outra pessoa conceba o real assim como Elza o fez. Custará a aparecer alguém que tenha uma compreensão tão genuína da realidade.

Até lá, continuaremos nos enganando e procurando transformar dor, tristeza e sofrimento em alegria.