O bebê
Antigamente, Vovó gostava de sair. Ia balançando docemente no seu passinho miúdo. Caminhava algumas quadras e parava para descansar. Às vezes se perdia. Olhava inutilmente os edifícios e as ruas, tentando saber qual era o rumo. Linhas retas cruzavam a cidade em todas as direções. Vovó terminava por desanimar. Preferia perguntar a algum passante:
- Sabe onde fica este endereço?
O outro lia o cartãozinho que Vovó estendia. Ela carregava-o sempre, para qualquer eventualidade. Um neto havia datilografado o endereço. Ela esperava com ânsia a resposta.
- Claro, Vovó. A senhora não sabe ir? Eu a levo.
Ficava um pouco encabulada quando se ofereciam para acompanhá-la. Mas, no fundo, gostava. Não precisava puxar pela cabeça. Despedia-se antes que alguém pudesse abrir a porta. Não queria que soubessem.
Por fim, Vovó não pôde mais sair. Um dia, caiu. Teve de ficar na cama vários dias, pois a perna doía. Quando se achou melhor, levantou-se. Foi então que resolveu ocupar-se do bebê. Ele estava no fundo do quarto, um tanto abandonado. Ela caminhou em silêncio até ele. Dormia. As pestanas escuras sobressaíam no rostinho rosado. O bebê era lindo. Tomou-o nos braços. Ele continuava ressonando. Com certo esforço, Vovó conseguiu lembrar-se de uma cançoneta de ninar. Esteve com ele no colo durante muito tempo.
- Vovó, a sua comida.
Os outros chegavam. Temia que lhe tirassem o bebê. Largou-o cuidadosamente em cima da cama e fez sinal para que o neto não fizesse barulho. Com um sorriso, mostrou-lhe a criança. Teve medo quando o menino se aproximou do leito. Podia acordá-lo.
- Cuidado, meu filho. Deixa-o dormir.
Mas ela não estava contente com a situação do bebê. Precisava arrumar-lhe um berço. Talvez ele já tivesse um. Perguntou ao neto, que se mostrou indeciso, e depois respondeu rapidamente:
- Eu trago para a senhora.
Não havia faltado com a palavra. Logo depois, tinha surgido com um bercinho antigo. Não era muito bonito, mas dava para ir levando, até que outro fosse providenciado. Vovó tomou o bebê nos braços e transferiu-o para a nova cama. Ficou olhando-o, até o momento em que vieram ajudá-la a deitar-se.
- Quero o nenê do meu lado.
A filha arrumou-a e chegou o berço para perto.
- Aqui, do meu lado - insistiu.
Ela dormiu bem. Sonhou que era moça e andava com uma criança no colo. Todos vinham olhar o seu bebê.
Ao acordar, seu primeiro pensamento foi para a criancinha que dormia a seu lado. Tirou-a do berço e acariciou-a. Conseguir fazer com que acordasse. As pestanas escuras levantaram-se sobre um olhar azul brilhante.
- Tu queres mamar, meu tesouro?
O bebê não parecia ter fome. Continuava olhando-a imóvel. Aconchegou-o ao seio e, com cuidado, fechou-lhe as pálpebras. A moça chegava.
- Bom dia. Vim lavar a senhora.
Vovó não gostava dela. Uma mulher magra e seca, que aparecia para incomodá-la... Quando ela havia aberto a porta, Vovó tinha sentido frio. Mas, a mulher continuava a sua frente.
- Não posso. Tenho de cuidar do bebê.
A mulher olhou o panorama. Tinha pressa, havia muita coisa para fazer. Franziu o sobrolho. A velha costumava resmungar. Insistiu:
- Me dê. Depois lhe devolvo.
- Agora não posso. Não vê que tenho de segurá-lo?
- Ou a senhora me atende, ou vou chamar sua filha.
Falou para assustar, pois a filha tinha saído. Mas a velha estava firmemente abraçada ao bebê. Tentou separá-los, mas ela parecia ter adquirido força. Então, perdeu a paciência.
- Ande, eu tenho de arrumar a senhora. Não vê que isso é uma boneca? Olhe, é uma boneca!
Tentou beliscar a porcelana:
- Veja! A boneca não chora, não ri...
De repente, Vovó encolerizou-se. Num gesto fulminante, arremessou a boneca contra a moça. O bebê estatelou-se no chão.
- Não quero bonecas, gemeu. Quero o meu bebê.
Aos poucos, acalmou-se. A mulher banhou-a, ajeitou-a na poltrona e saiu. Quando o neto apareceu, na volta da escola, Vovó estava bastante inquieta.
- Vovó, quer alguma coisa?
- Chega aqui, meu filho. Eu queria uma coisa...
- Que é?
- Traz o nenê.
O menino lançou um olhar pelo quarto, em busca da boneca. A vó explicou:
- Está ali, atrás da cama. Ele caiu.
Abraçou o seu bebê com força. E, baixinho, recomeçou a cantarolar.