A DOR DE DAR DÓ
Bem que José tenta, tenta, insiste, insiste, mendiga. Ridiculariza-se. Luta, luta com a desculpa do último beijo. Da despedida, do adeus. Do adeus. Do adeus ó Maria. Adeus Maria, adeus Maria. Adeus.
Maria é pura parede. Impermeável. Intransitável. Indiscutível. Maria não permite, não concorda, não aceita. Maria não arreda pé. Maria nervosa, Maria teme, Maria treme, Maria não sabe o que dizer. Eu também sofro José. Sim José. Não José.
O abraço de José é apertado, apertado, quase desesperado ou, desesperado mesmo. Um abraço em que os braços ganham comprimento sem fim. O abraço de José é assim, abraça Maria e se abraça junto. Os braços vão e voltam, vão e voltam, dando voltas no corpo de Maria, no corpo de José. Não se vêem mais corpos, mais José, mais Maria. Vêem-se apenas braços abraçados, enlaçados em Maria, engatados em José. Um nó cego.
Maria abraçada abraça José com seus braços curtos, curtos, muito curtos. Um abraço pequeno, com braços pequenos. Antebraços antiabraços. Mais do que envolver, quer conter, parar, dar ré. Quer dizer um chega pra lá, chega José.
As crianças Maria. As crianças Maria. Chora o filho, chora a filha, e choram alto. Chora Maria, chora José, chora a família, todos choram. Abraça um, abraça outro, abraça um, abraça outro, se abraçam todos.
A dor dos filhos não se compara com o desamparo de José. Criança se distrai, esquece, ri. Ri com o primeiro picolé. Adulto a coisa complica, implica auto-estima, apego, esperança... Coitado do José! Só os poetas estetas da dor, agregam à esperança o sinônimo de amor, paixão. Não. Esperança é desconfiança e uma nesga de temor. Coitado do José. Coitado do seu coração. Vai explodir. Vai explodir. Vai explodir!
Acabou o amor de Maria. Ficou o amor de José. Se Maria é mais alívio do que dor, José é pura dor de dar dó.
A cabeça ferve. O coração explode. Hora da partida, da saída, de ir embora, ir embora, embora, agora, agora José. Vou, não vou. Vou, não vou. Vou, não quero. Sai o corpo fica a alma, sai a alma fica o corpo. Sai o corpo fica a alma, sai a alma fica o corpo. Antes a morte. Antes a morte. Morto. José sai morto. Morreu. Morreu José. José sabe disso, sente isso, antes isso. Morto. Um homem morto. Sua vida acaba ali, acabou ali, ali acaba. Acabou. Morreu. José morreu. Atenção todo mundo: José morreu.
Maria excitada. Maria apressada, Maria na porta. Fecha, tranca, trava. Trava, trava, trava. Ri. Ri, ri, ri. O que quiser fazer, fará. O que quiser ser, será. Livre. Livre para amar. Então abre os braços e ri. Ri, ri, ri. Meu Deus, como Maria ri!
E o José. José foi-se só.
Paulinho Lamarca
2007