O Estopim

“...Somos uma gota d’água no oceano, mas podemos nos transformar num tsunami no mundo.”

Vivemos em uma sociedade onde, não muito incomum, somos levados a crer que devemos ser fortes o tempo todo.

Neste meio onde estamos inseridos aprendemos que: Chorar não é bom. Devemos sim é mostrar os dentes, mesmo que o coração esteja sangrando. E passamos aquela velha e falsa ideia de que está tudo certo, somos felizes e pronto! Mesmo que visivelmente nossa vida esteja um caos. Devemos sorrir, pois o inimigo quer nos ver tristes e aí será a vitória dele.

Então eu me questiono...

Que inimigo?

Que vitória?

Ah! Quanta alienação, enfim, concluo:

Somos podados e moldados conforme a sociedade quer. Logo, não podemos demonstrar nossas emoções e ainda de brinde recebemos conselhos, velhos clichês baratos como: “Levante a cabeça, você é forte!”, “O tempo cura tudo”, “meninos não choram!” e por aí vai.

Simplesmente somos treinados a conter nossos sentimentos, afinal, mostrá-los seria como aceitar que nossa espécie, de certa forma, não é tão forte assim e que somos seres vulneráveis.

Bom, com toda a alienação que recebi e absorvi em cada partícula do meu ser torturado, descobri com muita dificuldade que homens choram sim. E que não precisamos ser fortes o tempo todo, não carecemos de máscaras!

Nasci no caos, na total pobreza. Sem estudo, sem comida e sem perspectiva de uma vida dignamente feliz. Ainda assim, me ensinaram a sorrir. Mesmo que meu estômago estivesse implorando por uma migalha de comida qualquer, mesmo que eu desejasse ir à escola como uma criança normal. Que não me faltasse sapatos ou mesmo chinelos e que meus pés não doessem tanto. Ainda assim, fui moldado a sorrir.

Nesta época a pouca comida que nos alimentava, não era suficiente para saciar nossa fome e dar energia para que pudéssemos realizar tarefas simples. Mesmo assim, precisávamos trabalhar, juntando material reciclável, assim chamado nos tempos modernos, mas na minha época era lixo mesmo. E não raras vezes comíamos restos de comidas que encontrávamos no lixo. Nossa casa era de chão batido e as paredes de barro. Tudo que possuíamos lá eram de doações, o ambiente era tão quente que ficar dentro dela ou queimar no sol parecia ser a mesma coisa.

Algumas pessoas que tinham um pouco mais de sorte, “Dinheiro”, sentiam pena da nossa família e acabavam doando algumas coisas que não serviam mais para nada. Logo, se não serviam mais para nada, certamente serviria para nós, pobres coitados, mortos de fome.

Tivemos uma vida muito árdua, minha mãe, meus irmãos e eu. E certamente uma vida breve. Hoje estamos todos juntos. Minha mãe também, aquela que me ensinou a sorrir sempre.

Mas antes de estar aqui, passei da calmaria a um grande tsunami e confesso não me arrepender nem um pouco dos meus atos.

Minha mãe chamava-se Garrincha e eu era apelidado de Diabinho pelos meus colegas de rua. Nesta época eu era um tanto revoltado pela vida que me fora confinado a viver, ou melhor, sobreviver.

Eu sei que minha aparência assustava as pessoas a minha volta, mas eu não tinha culpa de ser sujo, não ter roupas descentes e andar descalço. Era a vida!

Apesar de todos os conflitos eu me divertia muito com os brinquedos que encontrava no lixo e o meu predileto era o pneu. Saia ladeira abaixo rolando o velho pneu e nessa hora me sentia feliz e livre!

Não me envergonho da minha vida pobre, o que me envergonho é da humanidade desumana, pois enquanto nós morríamos de fome e frio, eu via as pessoas que foram abençoadas jogarem suas comidas no lixo. Roupas e calçados um pouco gastos já eram descartáveis e as crianças da minha idade não sorriam nunca. Mesmo tendo tudo!

E além de tudo isso, sequer respeitavam nós meros indigentes. Se pudessem, nos baniam do mundo. Somente para vê-lo mais limpo. Mas hoje eu estou aqui, ao lado do mais ilustre da sociedade, perto das madames e crianças ricas. Hoje nossas vestes são as mesmas. A cor é a mesma. E não temos o direito de querer ser diferente. Mas uma coisa é certa, minha família e eu somos os mais visitados deste lugar. Viramos um certo mito para a sociedade, pela nossa trágica morte. Morremos todos juntos num incêndio causado pela vela que iluminava aquela noite e que pôs fim ao nosso sofrimento.

O que eu levo de bom da vida que deixei, é que, mesmo não tendo nada, ainda sei sorrir. Aprendi a valorizar cada migalha que peguei do lixo e onde estou agora não me diminui em nada perante os que muito possuíram aí.

“Mesmo sorrindo aprendi a chorar. Hoje choro de tristeza porque a história que vivi neste lugar, ainda se repete dia a dia. E mal sabem vocês que aqui não existe rico ou pobre e dinheiro aqui não compra felicidade. Por isso eu choro. E minhas lágrimas tem sido tantas que não mais cabem no oceano, elas viraram tsunamis no mundo.”

Mente Inquieta- Gisiéle Gargioni