A Luz Do Sol

O dia entra de rompante na alma. O mundo por esta hora já desperta e com ele se entranha a mesma narrativa – Crise! Descida de salários, subida de impostos. Crise! Descida de salários, subida de impostos. Crise! Descida de salários, subida de impostos. CORRUPÇÃO!!!!!!!!! Crise! Descida de salários, subida de impostos. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!

Assim começa o dia e, para dizer a verdade, já estou farto! Farto, farto, farto! Não consigo aguentar ouvir outra vez as lamentações de um povo às portas da morte.

Bruscamente, abro as portas do prédio e dou por mim no meio da rua. Descobri o sol, assim como não o apreciava há anos – amavelmente ele me acaricia o rosto. Aquece-me o corpo e algo mais, talvez… Sinto vergonha de ter saudades do sol, ele que todos os dias brilha exactamente no mesmo sítio. Sinto vergonha de desprezar o que a vida nos dá, sinto vergonha de me preocupar com o que não nos faz viver, de estar atrás de uma minúscula secretária enquanto o mundo se atravessa á minha frente.

Estando eu atravessado no meio da estrada, reparo que sou um obstáculo à rotina de quem por ali circula. Dezenas de carros se amontoam perante a minha presença, consigo sentir o ódio de metade do mundo sobre mim. Mas, nada ouvia e nada sentia. Eu, naquele momento, fui a calma e a tranquilidade em carne e osso. Fecho os olhos e vejo aquilo que o nada tem para oferecer …

Era tudo. Eu via tudo aquilo que sempre precisei de ver que era nada. Era vazio, era o negro completo. Com uma súbita raiva de sentir a realidade, pressionei os olhos para que eles se fechassem com toda a força. Via o negro, mas agora comecei a diferenciar umas luzes coloridas que, indefinidamente, se atravessavam na negridão. Foquei-me nessas vagas luzes e apaguei completamente a noção da realidade, já não ouvia as buzinas enfurecidas dos carros no trânsito. Agora tudo era silêncio. Puro silêncio.

Num ato de inesperada coragem, avancei, de olhos fechados, pela estrada fora. Sem medo. Mas que medo? Não havia nada a recear. Não havia nada. Caminhei, pela primeira vez em toda a minha vida, sem pensamentos sobre o podre mundo em que nasci. Tudo o que trazia comigo era um sorriso que se agarrou a mim, o prazer puro da liberdade e o sol que sempre até hoje me aquece a alma.

Ezequiel Valadas
Enviado por Ezequiel Valadas em 02/10/2015
Reeditado em 03/10/2015
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