IPÊ AMARELO - NÓDOA
Uma árvore , só isolada em uma trilha distante. Frondosa copada, lindo tronco , um marrom sem luz, verde claro sua folhas no poente , mais escuras no nascente. Dela me aproximei rapidamente. A sua figura era aconchegante, apressava meus passos . Em lá chegando, estirei-me sobre suas sombras queixosas de utilidades nobres. Antes que cerrasse as pálpebras, pus-me a olhá-la , procurando minudencias engrandecedoras.
No êxtase da procura, ouço uma voz!...
--- Pretendes saber quem sou, sinto nos seus olhos a curiosidade intranqüila , sem nexo, dando-me um colorido pelo que proporciono agora. --- Assustado , mas confiante: Atrevo-me a confirmar , e se possível manter um diálogo...
--- Pois bem... Anos passados , tão longínquos , que nem mesmo as minhas folhas dão conta ao calendário. Era uma simples semente que por aqui passava. Por obra do próprio Criador, alojei-me , germinei e com muita luta cresci, copei, amadureci e meu grande mundo vai até onde minhas sombras chegam. Sou feliz. Por aqui muitos passaram, repousaram e de mim nada esconderam. Aprendi tudo e continuo aprendendo. De todos os animais que me procuraram para que os servissem, os mais insensatos foram os da sua espécie...-
- Meio estupefato, admirado, senti-me menosprezado. Com vontade até de retrucar veementemente; No entanto algo mais forte impediu.- Por favor, justifique suas conclusões , quero aprender, conhecer a sua filosofia.
- Pois bem... Ele continua.--- Vejo que você é digno e bom, pode-se manter um diálogo ponderado. Do muito que sei, que vi, senti, narro-lhe alguns dos diversos fatos.---
- Em um dia muito claro, que o astro rei chegava até a ofuscar o brilho da minha roupagem.
- Vejo um vulto a aproximar-se vagarosamente , cambaleando : notava-se logo o cansaço que havia se apoderado daquele corpo andante.
- Seminua, maltrapilha, suas vestes rota, jovem triste, tez bronzeada, cabelos lisos presos , peito ofegante, pés maltratados pelos pedregulhos passados.
- Se pecado havia cometido, já não o tinha, o aspecto sofrido , concluo, havia purgado.
- Como oásis tão pretendido, a andante que aqui chegara, relaxando seus músculos , a sua própria vontade, um leito nobre.
- Pura alma entregara-se ao sono dos anjos, sonhos lindos, sem lembranças da carne sofrida.
- Através das minhas folhas, alguns raios dançantes pretendiam prejudica-la .
- Resolvi num esforço incomum estreitar-me, para que a curiosidade do astro, não ofuscasse a singeleza inerte.
- Percebi também que, seus carnudos lábios estavam secos, pois de quando em vez tornavam-se trêmulos , seguindo uma irritação, da estranha sensação de sede.
- Poderia fazer algo. Fi-lo. Restavam-me poucas gotas de orvalho ,cuidadosamente escondidas por mim, do grande astro.
- Num esforço como dantes , gotas frescas atingiram seu objetivo, acalentou, refrescou, amenizou, aquele corpo andante...
- O suave vento já se fazia presente, era o prelúdio das trevas.
- A bela rapariga desperta, recompõe seus músculos já refeitos, seu semblante , muito mais vida do que dantes.
- Leva suas mãos por baixo das madeixas brilhantes, desprendendo-as totalmente. Retira dela uma presilha, (enfeite ) espeta-me sem piedade. Dá continuidade aos seus cuidados femininos . Recoloca, prendendo seus cabelos , a presilha algoz... Segue seu caminho. --- Pois bem... Veja a sua direita às marcas deixadas sobre meu tronco... Não .. Não toque a mão... ainda dói!...
- Agosto de 1972- Diálogo com um IPE AMARELO- autor Atalir Ávila de Souza