O Soldado e o Menino

Depois de muito tempo os escombros ainda persistiam. Muito tempo de guerra, subdivisões em todos os lugares maculados por décadas de conflitos. A esperança ficou tão raquítica que se desdicionarizou, assim como outras palavras sinônimas da mesma que há tempos não ecoam por aqui.

Estava andando em busca de algum motivo aparente para continuar andando e me deparei com uma barreira, um soldado pedindo para um menino não ultrapassar a fronteira.

- Afaste-se!

- Não posso! Tenho séculos nos pés e nas mãos!

- Afaste-se e não avisarei mais!

- Só posso ir adiante!

A discussão durou o tempo necessário para que a consciência saísse das entranhas da fome e da morte para tentar apaziguar o impossível injetado de velhice e isolamento. A rajada de metralhadora perfurou o país inteiro! Foi um ato corriqueiro, um grito anestesiado pela dor e a continuidade de tanto tempo de desentendimento, palavra que substituiu o vocábulo ‘esperança’ no dicionário.

O chão é o caixão, o velório a céu aberto, o ritual celebrado pelos abutres, pela decomposição de microorganismos preparados para acolherem os que caem e se espalham aos milhares na mesma queda que assina o livro de ponto da repetição no trabalho da morte.

O menino cai, se debruça no solo infértil e espalha a poeira que rodopia no vento feito um sorriso que não existiu, rodopia para dar a maquiagem artística natural para um defunto que apenas vai ficar no lugar onde caiu até se tornar pó.

As fronteiras estão fechadas, ninguém ultrapassa. Soldados em forma de muro, de um discurso monolítico, um fantoche de guerra aliado ao soldadinho de chumbo no forte vazio. Irredutível. Irreversível. O peso do calor do sol e o banho da chuva mantém a mesma cara esculpida de guerra e de tempo perdido.

O soldado não deixou o menino passar na fronteira, o menino tinha séculos nos pés e nas mãos, mas não tinha o breve tempo da infância. O susto foi quem lembrou algum suicídio, mas não foi. Foi o relâmpago da realidade que clareou os séculos e todas as mortes ocorridas naquele ciclo bélico. O soldado descobriu que ele era o menino.

George Ayres
Enviado por George Ayres em 01/10/2015
Reeditado em 01/10/2015
Código do texto: T5400697
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