A MACIEIRA
Por Daniel Morais
A chuva que caia sobre a rua ao anoitecer sobre as casas com portas e janelas fechadas. Vistas em perspectiva da janela do sótão do velho casarão transmitia ser um vilarejo esquecido pelo tempo.
Olhei para os dois lados da rua até onde minha visão alcançava e avistei um tronco envelhecido de uma macieira, sem maçãs e galhos ressecados que em tempos remotos, era a alegria da garotada que ao descer do velho ônibus escolar corria para pegar as frutas vermelhas.
Dentre os pentelhos que saltavam na rua de terra sujando os calções azul-marinho com listas brancas por causa da poeira que o velho ônibus fazia ao arrancar, ali acanhado e tristonho encontrava-se Teco.
De estatura franzina com olhos fundos e cansados, Teco sempre ficava por último para colher maçã, isso se o deixassem subir na árvore, pois como um jovem raquítico, não conseguia ter forças para escalar a árvore; sempre davam um jeito de zombar do pobre menino ou até mesmo chacoalhar a árvore quando este estava em escalada para colher uma maçã, fazendo-o se agarrar no tronco ou no galho, desesperado com medo da queda.
Tais atitudes nunca me agradaram, mas ria das traquinagens que os meninos ricos faziam com o Teco. Foi sentindo pena do menino que me aproximei dele e puxei conversa. Perguntei seu nome e onde morava. Ele com olhos tristes respondeu que morava na casa vermelha; para nós filhos de fazendeiros, sabíamos bem que se tratava de um casebre feito de pau a pique, material extraído da natureza.
Teco não conhecia a nossa casa por dentro, que por sorte do destino, era adornada com o maior requinte apropriado para a devida época. E convidando-o para vir a minha casa, ele recusou, pois o pai não autorizava que entrasse em casa de ninguém, mesmo sendo convidado. Exceto que seu pai o levasse. E nos despedindo, pois estava ouvindo a criada gritar por meu nome, e senti um tímido, porém significativo sorriso na face de Teco. Ali nossa amizade deu o pontapé inicial.
Nos dias seguintes àquele, nosso companheirismo aumentou e já não achava mais graça em ver os meninos dos casarões daquela larga rua zombarem dele e revidei tomando as dores como se fossem comigo. Arranjei inimigos por tentar defender o meu mais novo amigo, porém, aquilo não importava. O que importava naquele momento, era a amizade sincera que se transmitia de para um para o outro.
O tempo passou e crescemos juntos, brincando como dois meninos arteiros e como parceiros de batalha, travávamos brigas que adulto nenhum entenderia do que se tratava aquela arruaça para apenas dois pingos de gente. A minha casa, já se tornara lar de Teco que já era bem recebido por minha mãe, apesar de meu pai não gostar desta prática de trazer alguém para casa, sem saber a procedência, mesmo o pai de Teco, ser empregado na lavoura do meu pai; desconfiança era a palavra mestre na vida do meu velho. Por outro lado, Teco sentia receio em mostrar seu casebre: tinha medo que eu me afastasse dele, por ele ser de origem humilde.
Como uma criança, Teco brincava comigo ou apenas com seus gravetos quando estava sozinho. Mas quando estava dentro de seu humilde lar, tinha que cumprir com a obrigação que o pai impunha: deixar a casa em ordem, fazer os deveres da escola, cozinhar, lavar e colocar no sol as roupas que sujou. Crescido sem mãe, pois esta falecera no momento em que dava à luz, Teco não sentia falta de uma mulher em casa, pois não sabia o que era amor materno.
Crescemos e juntos nossa amizade se fortaleceu. Conheci a Rosa e uma semana depois, em uma roda de viola, enquanto os rapazes dançavam bailão, a prima da Rosa, Soraia, ficou toda tímida, acabrunhada em um canto perto da fogueira, até que vencendo a perseguida timidez, Teco aproximou-se dela e começaram a conversar como dois novos amigos; e dali nasceu um amor: lindo de se ver! Um ano depois, eu entrava na capela segurando a mão da Rosa já como minha noiva, enquanto Teco ao lado do seu pai subia as escadas da capela, vestido com calça boca de sino e um paletó que eu emprestei para ele usar no dia de seu casamento. Sete meses depois eu me uni em matrimônio com Rosinha e fomos felizes por longas datas.
O meu primeiro filho nasceu no dia em que o Teco me abraçou todo feliz por saber que Soraia estava grávida do segundo filho e como se dizia naquela época, a barriga dela demonstrava que seria uma menina. Coisa de parteira da roça.
Mas nem tudo em nossa vida era só motivo para comemorar. Em um dia de inverno rigoroso que devastou toda a lavoura do meu pai, administrada por mim, encontrei Teco sentado no degrau do velho hospital, cabisbaixo, chorando; e quando me aproximei, ele me abraçou e ali chorou copiosamente a perda da segunda filha, que não resistiu o impacto que Soraia levou ao cair estatelada de barriga nos paralelepípedos duas semanas antes de seu nascimento.
Aquela tragédia nos aproximou mais do que já éramos e como dois irmãos de pais diferentes, nossa amizade causava inveja nas pessoas que nos viam, e até de amantes fomos chamados. Eu não gostei, mas calejado de sofrer insultos quando criança, Teco nem deu ouvidos o que me fez refletir e logo esta história arranjada se desfez.
O tempo passou e a velhice chegou e embaixo daquele pé de maçã, um banco feito por Teco ali foi colocado, e sempre ao entardecer quando as esposas sentavam de saia rodada na grama apreciando a o fim da tarde e o despertar da noite. Somente quando o meu filho mais novo chegava em casa da faculdade com o carro que comprou para levar a namorada ao colégio e nos finais de semana ao cinema, então me despedia de Teco e de Soraia e já sentindo as dores reumáticas derivadas da velhice, eu entrava e adormecia feliz.
Uma batida na porta me despertou dos saudosos pensamentos de outrora e Getúlio, meu primeiro filho, acompanhado de sua filha mais nova, minha neta, Samantha, que completara dezoito anos uma semana antes veio me levar para me despedir de Teco.
Entrei no carro grande de Getúlio, em silêncio, e sua esposa, Raquel, acenou a cabeça sem dizer uma só palavra; e olhando para o lado, vi com tristeza a macieira já velha como eu, que acompanhara todos os meus passos de infância, adolescência e maturidade e até mesmo quando papai faleceu, eu me debrucei em seus galhos para chorar a perda. Quando Rosa deixou esta terra, sentei no banco que Teco construíra em frente ao pé de maçã e deixei- me levar pela saudade da minha Rosinha. Teco também esteve por lá, tentando me consolar.
O carro de Getúlio saiu lentamente e eu fui virando a cabeça olhando para a macieira, minha amiga de épocas remotas que ficava para trás. O grande veículo percorreu ruas asfaltadas onde um dia eu e Teco brincamos de pique-esconde, bicicleta e de mulher do padre, quando éramos crianças; naquela terra vermelha em dias quentes e em dias chuvosos, era um lameiro medonho. Hoje o que era terra, o asfalto cobriu; o que era lavoura, tornou-se casas e prédios. Somente as árvores foram preservadas como testemunhas do tempo que se alterou conforme sua época.
A rua íngreme fazia o carro ficar com o motor acelerado e a palheta do para-brisa em alta velocidade, pois a chuva castigava a pequena cidade. Quando a rua virou a esquerda lá no alto do morro, o carro entrou no lugar onde não queria estar novamente; principalmente naquele dia.
Com ajuda de Getúlio, fui ajudado a descer do carro e encontrei aqueles meninos, hoje já idosos, que tanto atormentaram Teco, e vieram me abraçar entristecidos. Retribui o abraço na mesma intensidade e sentimento.
Quando acompanhado de Getúlio, entrei no grande salão de mármore branco no piso, avistei Teco deitado, repousando em um belo esquife entalhado e digno para grandes senhores de terra e autoridades. Ao seu lado, senhora, Soraia, mesmo com lágrimas no rosto, abriu um triste sorriso para me receber ficamos olhando o meu melhor amigo que nos deixou para descansar sua triste e conturbada vida.
Ao ser levado à cova, fui incumbido de jogar o primeiro montinho de terra sobre o brasão talhado na tampa do esquife que trazia com dignidade, seu nome estampado e uma frase lapidada a meu pedido, que recitei em silêncio na esperança de que em breve eu encontraria meu amigo novamente:
“Um amigo, não é aquele que te abraça e te faz sorrir, mas sim, aquele que te consola quando o mundo se vira contra você.”
______________
Daniel Moraes nascido em 1982 formou-se em Comunicação Institucional pela UBC – Universidade Braz Cubas e em Processos Gerenciais, pela UNIP – Universidade Paulista. Atualmente, reside em Mogi das Cruzes, cidade escolhido como palco para o seu primeiro livro, Bodas de Papel. Daniel considera-se um leitor bookaholic e também é administrador do blog Irmãos Livreiros, cujo principal conteúdo é o universo dos livros. danielmoraesescritor@gmail.com
DO LIVRO ANTOLOGIA- COMPANHEIRISMO EM VERSO E PROSA.
Por Daniel Morais
A chuva que caia sobre a rua ao anoitecer sobre as casas com portas e janelas fechadas. Vistas em perspectiva da janela do sótão do velho casarão transmitia ser um vilarejo esquecido pelo tempo.
Olhei para os dois lados da rua até onde minha visão alcançava e avistei um tronco envelhecido de uma macieira, sem maçãs e galhos ressecados que em tempos remotos, era a alegria da garotada que ao descer do velho ônibus escolar corria para pegar as frutas vermelhas.
Dentre os pentelhos que saltavam na rua de terra sujando os calções azul-marinho com listas brancas por causa da poeira que o velho ônibus fazia ao arrancar, ali acanhado e tristonho encontrava-se Teco.
De estatura franzina com olhos fundos e cansados, Teco sempre ficava por último para colher maçã, isso se o deixassem subir na árvore, pois como um jovem raquítico, não conseguia ter forças para escalar a árvore; sempre davam um jeito de zombar do pobre menino ou até mesmo chacoalhar a árvore quando este estava em escalada para colher uma maçã, fazendo-o se agarrar no tronco ou no galho, desesperado com medo da queda.
Tais atitudes nunca me agradaram, mas ria das traquinagens que os meninos ricos faziam com o Teco. Foi sentindo pena do menino que me aproximei dele e puxei conversa. Perguntei seu nome e onde morava. Ele com olhos tristes respondeu que morava na casa vermelha; para nós filhos de fazendeiros, sabíamos bem que se tratava de um casebre feito de pau a pique, material extraído da natureza.
Teco não conhecia a nossa casa por dentro, que por sorte do destino, era adornada com o maior requinte apropriado para a devida época. E convidando-o para vir a minha casa, ele recusou, pois o pai não autorizava que entrasse em casa de ninguém, mesmo sendo convidado. Exceto que seu pai o levasse. E nos despedindo, pois estava ouvindo a criada gritar por meu nome, e senti um tímido, porém significativo sorriso na face de Teco. Ali nossa amizade deu o pontapé inicial.
Nos dias seguintes àquele, nosso companheirismo aumentou e já não achava mais graça em ver os meninos dos casarões daquela larga rua zombarem dele e revidei tomando as dores como se fossem comigo. Arranjei inimigos por tentar defender o meu mais novo amigo, porém, aquilo não importava. O que importava naquele momento, era a amizade sincera que se transmitia de para um para o outro.
O tempo passou e crescemos juntos, brincando como dois meninos arteiros e como parceiros de batalha, travávamos brigas que adulto nenhum entenderia do que se tratava aquela arruaça para apenas dois pingos de gente. A minha casa, já se tornara lar de Teco que já era bem recebido por minha mãe, apesar de meu pai não gostar desta prática de trazer alguém para casa, sem saber a procedência, mesmo o pai de Teco, ser empregado na lavoura do meu pai; desconfiança era a palavra mestre na vida do meu velho. Por outro lado, Teco sentia receio em mostrar seu casebre: tinha medo que eu me afastasse dele, por ele ser de origem humilde.
Como uma criança, Teco brincava comigo ou apenas com seus gravetos quando estava sozinho. Mas quando estava dentro de seu humilde lar, tinha que cumprir com a obrigação que o pai impunha: deixar a casa em ordem, fazer os deveres da escola, cozinhar, lavar e colocar no sol as roupas que sujou. Crescido sem mãe, pois esta falecera no momento em que dava à luz, Teco não sentia falta de uma mulher em casa, pois não sabia o que era amor materno.
Crescemos e juntos nossa amizade se fortaleceu. Conheci a Rosa e uma semana depois, em uma roda de viola, enquanto os rapazes dançavam bailão, a prima da Rosa, Soraia, ficou toda tímida, acabrunhada em um canto perto da fogueira, até que vencendo a perseguida timidez, Teco aproximou-se dela e começaram a conversar como dois novos amigos; e dali nasceu um amor: lindo de se ver! Um ano depois, eu entrava na capela segurando a mão da Rosa já como minha noiva, enquanto Teco ao lado do seu pai subia as escadas da capela, vestido com calça boca de sino e um paletó que eu emprestei para ele usar no dia de seu casamento. Sete meses depois eu me uni em matrimônio com Rosinha e fomos felizes por longas datas.
O meu primeiro filho nasceu no dia em que o Teco me abraçou todo feliz por saber que Soraia estava grávida do segundo filho e como se dizia naquela época, a barriga dela demonstrava que seria uma menina. Coisa de parteira da roça.
Mas nem tudo em nossa vida era só motivo para comemorar. Em um dia de inverno rigoroso que devastou toda a lavoura do meu pai, administrada por mim, encontrei Teco sentado no degrau do velho hospital, cabisbaixo, chorando; e quando me aproximei, ele me abraçou e ali chorou copiosamente a perda da segunda filha, que não resistiu o impacto que Soraia levou ao cair estatelada de barriga nos paralelepípedos duas semanas antes de seu nascimento.
Aquela tragédia nos aproximou mais do que já éramos e como dois irmãos de pais diferentes, nossa amizade causava inveja nas pessoas que nos viam, e até de amantes fomos chamados. Eu não gostei, mas calejado de sofrer insultos quando criança, Teco nem deu ouvidos o que me fez refletir e logo esta história arranjada se desfez.
O tempo passou e a velhice chegou e embaixo daquele pé de maçã, um banco feito por Teco ali foi colocado, e sempre ao entardecer quando as esposas sentavam de saia rodada na grama apreciando a o fim da tarde e o despertar da noite. Somente quando o meu filho mais novo chegava em casa da faculdade com o carro que comprou para levar a namorada ao colégio e nos finais de semana ao cinema, então me despedia de Teco e de Soraia e já sentindo as dores reumáticas derivadas da velhice, eu entrava e adormecia feliz.
Uma batida na porta me despertou dos saudosos pensamentos de outrora e Getúlio, meu primeiro filho, acompanhado de sua filha mais nova, minha neta, Samantha, que completara dezoito anos uma semana antes veio me levar para me despedir de Teco.
Entrei no carro grande de Getúlio, em silêncio, e sua esposa, Raquel, acenou a cabeça sem dizer uma só palavra; e olhando para o lado, vi com tristeza a macieira já velha como eu, que acompanhara todos os meus passos de infância, adolescência e maturidade e até mesmo quando papai faleceu, eu me debrucei em seus galhos para chorar a perda. Quando Rosa deixou esta terra, sentei no banco que Teco construíra em frente ao pé de maçã e deixei- me levar pela saudade da minha Rosinha. Teco também esteve por lá, tentando me consolar.
O carro de Getúlio saiu lentamente e eu fui virando a cabeça olhando para a macieira, minha amiga de épocas remotas que ficava para trás. O grande veículo percorreu ruas asfaltadas onde um dia eu e Teco brincamos de pique-esconde, bicicleta e de mulher do padre, quando éramos crianças; naquela terra vermelha em dias quentes e em dias chuvosos, era um lameiro medonho. Hoje o que era terra, o asfalto cobriu; o que era lavoura, tornou-se casas e prédios. Somente as árvores foram preservadas como testemunhas do tempo que se alterou conforme sua época.
A rua íngreme fazia o carro ficar com o motor acelerado e a palheta do para-brisa em alta velocidade, pois a chuva castigava a pequena cidade. Quando a rua virou a esquerda lá no alto do morro, o carro entrou no lugar onde não queria estar novamente; principalmente naquele dia.
Com ajuda de Getúlio, fui ajudado a descer do carro e encontrei aqueles meninos, hoje já idosos, que tanto atormentaram Teco, e vieram me abraçar entristecidos. Retribui o abraço na mesma intensidade e sentimento.
Quando acompanhado de Getúlio, entrei no grande salão de mármore branco no piso, avistei Teco deitado, repousando em um belo esquife entalhado e digno para grandes senhores de terra e autoridades. Ao seu lado, senhora, Soraia, mesmo com lágrimas no rosto, abriu um triste sorriso para me receber ficamos olhando o meu melhor amigo que nos deixou para descansar sua triste e conturbada vida.
Ao ser levado à cova, fui incumbido de jogar o primeiro montinho de terra sobre o brasão talhado na tampa do esquife que trazia com dignidade, seu nome estampado e uma frase lapidada a meu pedido, que recitei em silêncio na esperança de que em breve eu encontraria meu amigo novamente:
“Um amigo, não é aquele que te abraça e te faz sorrir, mas sim, aquele que te consola quando o mundo se vira contra você.”
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Daniel Moraes nascido em 1982 formou-se em Comunicação Institucional pela UBC – Universidade Braz Cubas e em Processos Gerenciais, pela UNIP – Universidade Paulista. Atualmente, reside em Mogi das Cruzes, cidade escolhido como palco para o seu primeiro livro, Bodas de Papel. Daniel considera-se um leitor bookaholic e também é administrador do blog Irmãos Livreiros, cujo principal conteúdo é o universo dos livros. danielmoraesescritor@gmail.com
DO LIVRO ANTOLOGIA- COMPANHEIRISMO EM VERSO E PROSA.