A menina que pintava pedras
Aquela menina pintava pedras.Umas eram pequenas, outras maiores, mas cada uma com uma pintura diferente, todas com cores vibrantes e alegres.
Andava pelo mundo, com suas tintas,pincéis e pedras coloridas
descalça e meio curvada com o peso, mas por onde fosse carregava as pedras. Só parava quando, em meio a caminhada, encontrava uma pedra diferente, porque imediatamente vinha uma idéia de pintura. Sentava-se, olhava em redor e, com as cores que predominassem, impregnava a pedra de cores e emoções.
Não tinha destino certo nessas andanças, mas decidira andar até que conhecesse todas as cores do mundo e só quando isso acontecesse ela descansaria e com as pedras, faria a sua morada sob o céu azul e mais nada.
O tempo foi passando e levar tantas pedras já não era tão fácil.
Decidiu então, que deixaria no caminho, as pedras mais antigas, já que as cores delas estavam presentes em todas as outras e não seria difícil lembra-las. Foi o que fez, mas não assim, abandonando-as amontoadas, de qualquer jeito...
Com capricho e paciência, ajeitava-as como num canteiro, depois procurava ao redor, um broto de árvore ou flores que pudesse plantar ali. Assim, aquelas cores cercariam aquelas vidinhas e continuariam a fazer algum sentido e isso fazia com que se sentisse feliz.
E foi assim, por muitos anos até que já bem velha, não podendo mais andar com o peso que ainda carregava, pensou que talvez fosse a hora de parar.E depois, só lhe restava um pincel e um fundinho de tinta branca no vidrinho.
Sentou-se e colocou as pedras no chão, embaixo de uma árvore frondosa. Olhou o céu e pela primeira vez se deu conta de que ele era o mesmo, desde que iniciou sua caminhada e que só as coisas abaixo dele é que mudavam... Até eu mudei, pensou. Já não suporto o peso da carga!
E agora? Sigo ou fico? Levo ou deixo? Recostou no saco de pedras e adormeceu. Quando acordou, o céu estava coalhado de estrelas e a lua parecia iluminar a estrada de um jeito diferente. Levantou-se e encantou-se com tudo aquilo, que nunca tinha reparado ser tão belo. As folhas daquela árvore brilhavam e se moviam com suavidade e a brisa que fazia voar seus cabelos brancos e tocava sua pele já envelhecida, trazia perfumes nunca antes sentidos... Ficou ali por algum tempo e decisão estava tomada.
Logo ao amanhecer, abraçou a árvore e começou.Fez um círculo enorme ao redor dela, revirou a terra com certa dificuldade mas com muita disposição.Saiu e voltou com algumas mudas de flores, que plantou ao redor da árvore.Foi colocando as pedras, bem arrumadinhas ao redor do círculo e como lhes restara apenas a tinta branca, decidiu pintar o tronco da árvore. Acho que falta uma coisa, pensou. Saiu e veio rolando um tronco de árvore, que com sacrifício, colocou ali na sobra que a árvore fazia e sentou-se para apreciar e ver o efeito que as pedras produziram naquele cenário e lembrou-se das outras pedras que fora deixando no caminho e das flores que foram plantadas.Floriram?E estas, crescerão? Talvez eu devesse ter ficado para ver...Mas, se tivesse ficado, não teria feito esse maior, com mais flores e à sobra dessa magnífica árvore, de onde se contempla toda essa planície.Quem viu ou não viu, além de mim? Quero ir ou ficar?Quem vai regar essas flores, pensou com certa tristeza.
Com o rosto ainda apoiado nas mãos, sentiu os primeiros pingos de uma chuvinha que chegava.Ergueu os olhos e viu o sol meio escondido atrás de uma nuvenzinha que passava e despeja com amor a chuvinha sobre a Terra. Sorriu e deixo-se molhar, talvez com a mesma felicidade com que aquelas flores recebiam a vida que caía do céu.
Levantou-se e pôs a se caminhar,carregando o peso de seu corpo já velho e cansado,com a certeza de que sua morada não teria todas aquelas cores que carregou por tanto tempo, mas com o consolo de que o céu sempre estaria lá, onde quer que fosse.
Não foi muito longe, apenas a dois dias dali. A chuva abreviou as andanças, mas nestes dois dias ela pode ver cores nunca imaginou que existissem. Cansada e sem forças, deito-se para descansar,bem próximo de um riachinho, no chão para poder ver o vôo dos pássaros e as nuvens de algodão e quando enfim adormeceu, caiu de sua mão o pincel com o qual coloria a vida, ficando preso na margem do riachinho.
As folhas das árvores caíram,a relva secou e as flores murcharam, depois do frio e de dias tristes a planície estava cobertinha de vida e de tantas cores, que parecia uma tela pintada por anjos.
O riachinho corria, cantando baixinho para não acorda-la de seu descanso eterno, mas quando caía em cachoeira, gritava seu nome, fazendo um arco e anunciando:
Iris! Tem cores em todo lugar.