O TUCANO DA ADELAIDE

Fazia já um tempo que não nos víamos mas logo na entrada me foi possível peceber claramente um certo ar de tristeza na Adelaide.

Sempre muito pró-ativa nos seus quase setenta anos, e já há alguns anos, acostumada estava a todas as manhãs cuidar do seu filho adotado, que lhe chegara espontaneamente num pomar, em meio à mãe natureza.

Sempre gostara de animais mas jamais nas jaulas enredadas pelas mãos dos Homens, e aquele filho lhe era diferente, "o preferido" como gostava de dizer dentre gargalhadas.

Passarinhos variados, colibris, pombas, gatos, cachorros, borboletas, vagalumes, enfim, uma vasta espécie deles sempre lhe aparecia por ali, hora em que rastelava as folhas que caiam lá de cima dum céu de azul translúcido , no entorno da piscina, e que também boiavam na água, todos eles vindos da mata cerrada sobre a casa, por dentre as frestas permissivas das orquídeas das mais variadas espécies presas aos troncos das árvores gigantes, pelas mãos artísticas de Adelaide.

Ele, o filho, não tinha um nome exato, muito menos nome de gente, como sempre é de costume se ter.

Era apenas chamado : o "filho-amigo" Tucano.

Aparecera por lá, certa vez, vindo da natureza, mas de asas meio cortadas, faminto e sedento de tudo.

Sensível e observadora, Adelaide notou que parecia mancar por sobre o muro que isolava aquela sua residência.

Adelaide nunca soube precisar de onde ele viera mas seu coração lhe dizia que vinha de algum sofrimento notório.

Logo que ali chegou se banhou na piscina, deglutiu um bocado de água, picotou todas as jaboticabas ainda verdes e dali não mais saiu para outra aventura.

Adelaide passou a cuidar dele exatamente como cuidou dos dois filhos do ventre que já lhe renderam dois netos, e assim, não tardou para que Tucano fosse adotado por toda a família.

Tudo ali passara a girar em torno dele e a alegria se disseminou pela vizinhança, já que Tucano passou a ser conhecido de todos dali.

Adelaide conta que Tucano sempre foi grato ao tudo que todos faziam por ele, posto que havia uma procissão de gente para lhes levar as mais esquisitas iguarias para os bichos da modernidade.

Porém, Tucano, gostava mesmo era de jaboticabas:parecia esperar por cada sazonalidade da árvore frutífera, a lhe espocar bolinhas negras e perfumadas.

Das suas peripécias que mais a assustavam era quando Tucano resolvia abandonar sua jaboticabeira a voar um voo raso para pousar no galho alto da palmeira da vizinha a ali ficar horas e horas olhando o entorno, quase imóvel, a ceder suas belas cores aos olhos encantados daquele mundo; era quando então Adelaide instantaneamente pensava:"acho que agora ele vai embora para a sua natureza...".

Mas Tucano nunca foi.

Voltava sempre agradecido dos arredores vizinhos para dormir na cama quentinha bem ali, embaixo da sua jaboticabeira alta, a que lhe recepcionara com seus frutos milagrosos cedidos em época de fome e que tão aconchegantemente permanecera sempre ali, a árvore frutífera que Adelaide plantara com seu avô quando ainda criança.

Adelaide sabia que Tucano não trocaria aquela sua vidinha boa por nada deste mundo, principalmente porque tinha um grato coração de ave sofrida.

"Tucanos não sabem narrar a sua história" conta Adelaide...mas com olhos espertos ela entende que o seu Tucano sabia tocar a alma de quem dele se aproximava, naquela linguagem muda que todo bicho tem.

Mas um dia, a adversidade chegou para Tucano.

Num cair de tarde, Adelaide ouviu um barulho estranho no pomar e tão logo chegou no local Tucano agonizava vítima dum Gavião que o abocanhou e , sem olhar para trás, o largou ali mesmo, a poucos segundos dum destino que o levaria embora para sempre, mas nunca dali.

Adelaide conta que uma profunda tristeza tomou conta daquela família.

Então decidiram realizar uma última homenagem a Tucano em agradecimento à alegria que ele lhes trouxe à terra das suas vidas: enterraram-no sob a sua jabuticabeira, donde Adelaide ainda hoje, todas as manhãs, assim que desperta lança seu olhar à terra de Tucano podendo lhe enxergar a cada uma das suas vibrantes e eternas cores contrastantes no verde.

Adelaide sabe que ele, materialmente, já não está mais ali, todavia, depois de Tucano até as jaboticabas ficaram mais doces...

Adelaide também já aprendeu que sobre a trama da terra, tudo se recicla a ficar para sempre, e que nela absolutamente nada é obra do acaso.

Tucano ali lhes deixara uma grande lição: ensinou a força da lei do mais forte...inclusive a do Homem sobre a sua própria natureza.

Verídico.