O Menino Invisível
Na esquina da rua da paz, sentinela do tempo vivo, idoso, sempre novo, o bar do Parque, sob o hálito inconsciente das manhãs tropicais, ainda indefinida em Belém, entre o túnel cálido das mangueiras e o voraz trânsito do ir e vir dos carros dos aos noventa. Testemunhava um menino, que todos os dias estava ali por perto pedindo esmolas ou tentando trabalhar.
De infância deformada, com família ignorada, os pés de fora, com a cara em anos de fome, a ignorância como único respeito e um futuro duvidosamente sem acerto. Estava ali como uma sombra, todo encolhido no canto escuro da entrada do banheiro, onde religiosamente, quando alguém se dispunha engraxava uns poucos sapatos.
Ninguém, assim mesmo o ouvia, tão pouco fazia questão de enxergar. Subiam e desciam aquela escada, figurões moralistas, políticos renomados, homens de expressão requintada, de terno e gravata, sapato lustroso, carteira recheada, paletó intocável e a consciência católica do bem e do mal definido, pois que, também tinha a certeza, que os seus estavam em segurança. Olhavam de cima aquela infância e sempre se negavam a ajuda. Apenas faziam julgamentos implacáveis daquela situação, dizendo que aquele menino deveria estar na escola, na FEBEM ou em sua casa. A bem da verdade, só o garçom, que o retirava do local a pedido do chefe, e quem nutria a ousadia de sentir dó, de se importar e às vezes, lhe arranjar algo para matar a fome, pois a idade aparente do garoto espelhava a de seu filho na conveniência de sua residência.
Assim, como um dia atrás do outro, naquela quarta feira, uma chuva intensa caiu. Aquela criança, embora falasse como adulto, estava perdida no seio da pátria mãe, sem saber o que vestir seu frio, sem saber o que abastecer sua fome, sem saber o que significava futuro caiu em tentação, como todos os homens e aliou-se aos discípulos do mal, que em poucas horas, do outro lado da rua, num terreno baldio, feito cão abandonado, sentiu seu coração desfalecer. Não houve gritos, nem a bandeira brasileira de frente do hotel fixou-se a meio pau de vergonha. O fato só veio a público no outro dia, quando o menino já sem vida herdou da madrasta Democracia o direito, de muitos escravos, pais renomados, pois embora tenha sido enterrado como indigente, estava naquele instante em liberdade, livre das mazelas dessa vida, que os senhores do capital, teimam em só constituir para si, o que é de todos.
Na caixa do garoto, cuja interpretação na vida era de sapateiro, o garçom encontrou uma escova, uma flanela, uma pomada, uns trocados e uma garrafinha com um recorte de jornal falando como manchete principal, “Brasil campeão do Mundo”.