Luzinha do Sacrário
Aquela luz mortiça fornecida pela Companhia devia ser a responsável pelo clima lúgubre dos finzinhos de tarde brumadenses. E quando escuridão já adensava, as retinas da gente se ajustavam melhor e, com eletricidade, ou não - o que não era incomum - a gente se conformava e até se confortava com a noite. Afinal, todo mundo tinha uma lamparina praquelas horas.
A exceção era a luz divina, que a gente via no 'salão'de festas e teatro - que vinha servindo excepcionalmente de casa de oração, enquanto se faziam as reformas na igreja. Embora diminuta, singelinha, aquele pavio boiando sobre o azeite, num copo de vidro vermelho, a luzinha do Santíssimo, encerrava todos os mistérios do mundo. Era prali que convergiam os olhares penitentes de gente grande a crianças, de pecadores contritos a corações menos aflitos.
E muita gente tinha por hábito ora aquela hora, ora alguns escassos minutos de adoração, de conversa com o Pai da Criação, e da última solução. Ou então, de sua postergação. Não era incomum rezar em voz alta, mas o que mais cativava era o recolhimento, ao que Deus correspondia, mesmo quando nada ouvia, ou nada respondia. Ficava só naquele troca íntima que irradia.
Quando papai voltou um dia de algum retiro espiritual cantando uma musiquinha própria para essas ocasiões, aprendemo-la logo:
"Lenta e calma sobre a terra
Desce a noite, foge a luz
quero agora despedir-me
boa noite, meu Jesus".
A partir dessa estrofe, entrava uma 'luzinha do sacrário', mas não me vem mais a sequência. E pensando bem, o sacrário, dourado, sobre o altar, não luzia, só refletia a luzinha do Santíssimo na sua vermelhidão. De eterno plantão e de azeitar o coração.
E a janta lá a esperar a gente. Com as vasilhas pra lavar depois. Sob a graça.