Medonho sonho de Tonho
Tonho num tinha sufrimento com o negócio da fábrica de tecidos. Ficar preso entre aqueles teares barulhentos oito horas por dia, de segunda a sábado, fazendo sempre as mesmas coisas, não era de seu caráter.
Já havia se demitido três vezes e, para provar que o serviço era uma porcaria, sido readmitido outras três, praticamente sem precisar de fazer muito esforço. Verdade que as irmãs, também operárias haviam pedido, suplicado e agarrado com os santos para que o gerente cedesse e desse mais uma chance ao estouvado irmão. Mas o Tonho
não via milagre naquilo não. Via sim, para sair, nova tentação.
E pouco tempo mais levou, uns dois anos, quiçá, aguentando a sensaboria do trabalho e os carões gerenciais e pouco fraternais. Até, bem até, de novo, pedir o boné. E partiu, com a decisão ainda mais acendrada do que das vezes anteriores. Nada de tentar a sorte noutros ofícios, como sapateiro, auxiliar de pedreiro, ou mesmo músico,
que tanto cobiçara ser viajando por rincões distantes como o Marzagão, Raposos, a Cova d'Anta...
Hora era de ir mais fundo. Havia conversa de novo filão de ouro pelos lados de Paracatu. Muita gente vinha fazendo fortuna com aquela súbita, e no caso de Paracatu, renovada fonte de riqueza.
E para lá se mandou o Tonho, por meses seguidos, para o desassossego da mãe, que nunca deixava de sê-lo com todo zelo, apesar do estorvo do filho, que ao menos lhe pedia a bença. E para um certo alívio das irmãs, que, ao menos, não tinham que se incomodar com quem lhes trazia barro rueiro para a casa adentro e ficava praticando o seu bombardim aos domingos, numa estridência de dar dó. Tinham saudade sim, mas um tiquim só.
E ei-lo lá, de volta, no portão, cabisbaixo, mas aliviado, de bateia à mão. Ouro não. Pronto pra bater na porta da fábrica de novo, atrás duma recolocação. E tome pó de algodão.