Recordações

Eu estava entusiasmado para continuar a escutar a continuação das histórias que a minha mãe contava. Ela com seus noventa e poucos anos estava bem lúcida. Sempre foi muito ativa, com pouco estudo, mas tornou-se autodidata entendendo maravilhosamente o modo de ensinar o catecismo.

Até aí alguém pode refletir:

--- Então a mãe do cara deve ter sido católica?

--- Sim, nesta passagem neste mundo ela foi católica até o fundo d'água!

Só que o tempo foi inexorável pra minha mãe. Foi passando, passando, quando se deu por conta ela já tinha passado dos noventa. Não conseguiu angariar despesas materiais, mas conseguiu um legado inestimável: ensinou pra muita gente a história de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foram legiões de alunos, muitos sempre faziam questão em dizer:

--- Sua mãe pra mim era inesquecível!

Por tudo isto, minha mãe, Maria Vitória gostava de reviver seu passado. Só que na sua idade avançada, não conseguia mais escrever suas memórias. Seus olhos se iluminaram quando eu um dia lhe disse:

--- Mãe, quer que eu escreva a sua biografia?

--- Quero, você vai me fazer um favor, meu filho!

Então eu comecei, quantas histórias!... (queria ter começado a escrever a biografia mais cedo, aproveitado os anos em que ela era mais nova, enfim consegui escrever alguma coisa)

Uma vez perguntei:

--- Mãe, quando meu pai era vivo, eu era criança, lembro que ele rezava à noite antes de dormir vários terços, no mínimo 3 por noite, era um verdadeiro rosário. Ele não era muito de ir à igreja, algumas vezes só ia à missa. A senhora falava pra ele:

--- Luiz, você está pensando que só porque reza tanto terço, vai encontrar a salvação? Precisa frequentar mais a igreja, homem!

--- Pois é exatamente o que eu falava para ele. E você, Lourenço, não puxou nem por mim e nem pelo seu pai, quase não vai à missa, não reza nem dez por cento do que seu pai rezava. Ah! Esqueci de falar, que minha mãe era muito franca, quando tinha de dizer não mandava recado.

Aí eu fui disfarçando, perguntando outras histórias interessantes que ela sabia contar tão bem. Porque pelo que eu conhecia de dona Vitória, se continuasse aquele papo ela iria me dizer:

--- Faz quanto tempo que não vai à igreja? Quanto tempo que não confessa? precisa decidir, se continua na igreja católica, ou frequentar a igreja evangélica de sua esposa, você está em cima do muro!!!...

É... E o tempo continuava inexorável pra minha mãe, ela foi definhando cada vez mais e um dia minha irmã me dá um recado:

-- Nossa mãe te chama ela quer conversar com você. Não me surpreendi, estava em contato com ela quase sempre, minha mãe morava na casa da minha irmã a poucos metros de minha casa, encaminhei-me para a intrigante conversa, deparo-me com minha mãe deitada, aquela sra. próxima dos 100 anos de idade, corpo quase inerte, a demência já estava fazendo parte de sua mente, às vezes lúcida, chora em momentos de dor, ou por estar impossibilitada de andar por si só, ainda mantendo esperança nos médicos, nos remédios para faze-la ter uma certa dependência, muitas vezes reconhecendo também a realidade pura, incontestável, tua velhice pesa no teu corpo, onde pelo menos os olhos pudessem ver melhor, e aquilo que é um pouquinho pior para ela, o reconhecimento da sua demência, teimando em voltar na sua mente.

Mas naquela hora em volta de tua cama na tua mente meio confusa me diz:

-- Lourenço, recebi uma grande importância em dinheiro, uma recompensa meu filho, quero que você se encarregue de pagar todas as dívidas, depois ajude quem precisar, todos seus irmãos (dos irmãos vivos somente 9, sim porque foram somente 6 os falecidos) eles podem estar precisando de ajuda. Na presença minha e da minha irmã não ficamos espantados, porque este quadro de suas revelações aconteciam algumas vezes, a mente de minha mãe misturava o seu viver que foi sempre intensamente!...

Naquele instante só respondi concordando:

--- Está bem, mãe, farei o que a sra. me pede, seria inconcebível dizer-lhe que com certeza ela receberia uma grande recompensa porque seus filhos e a legião de seus alunos de catecismo, porque durante mais de 60 anos ela foi catequista, trabalhou como assistente social, só teve que interromper os serviços nos quais ela mesma dizia: -- eu trabalho para o meu mestre Jesus. Quando meu pai falece aos 51 anos de idade, esta heroína interrompe seus trabalhos religiosos tão gratificantes para ela, porque era um amor incondicional, um sentimento mais importante que todo ser humano deve possuir. Sem ele só haveria trevas neste nosso viver tão misterioso, aí ela faz esta interrupção para trabalhar pra sustentação dos filhos menores. Que luta meu Deus! Somos testemunhas de que ela conseguiu cumprir sua missão!

Há pouco tempo atrás, ela já sem poder ler nem escrever também, mas completamente lúcida me pede pra digitar uma de suas poesias, depois insistentemente pede pra mim publicar no jornal local, eu digitei e mandei publicar:

Mistério de vida!...

A vida é boa, mas é pesada demais,

segurando em Jesus eu sigo de mãos dadas,

subindo uma escada, eu deito, durmo e não vejo mais nada,

mas, quando acordo vejo um céu cheio de luz

e eu dormia nos braços de Jesus.

os santos rezavam em louvor ao Senhor

e os anjos cantavam ao Deus de amor,

ouvi uma voz que me chamou,

venha ver o que você plantou...

Entrei num jardim florido,

havia cravos, rosas e também jasmins,

um anjo apareceu-me coberto de véu e disse:

O que plantas em terra boa, vem colher aqui no céu!...

Maria Vitória Florentino

Mãe tua recompensa virá e será de intensa felicidade, porque ao praticar o amor, mãe,a tua felicidade será eternamente!...

(Hoje, naturalmente ela vive intensamente na presença do Criador, são os mistérios insondáveis!...)