METAFÍSICA

 

 
Era domingo e ele varria as folhas de mangueira no quintal. Então viu um short de menina, caído de qualquer jeito ali no chão, misturado com as folhas. Pelo tamanho, sua dona devia ter entre 7 e oito anos. Certamente a vizinha colocou no muro, ele não imaginava para que, e  ele ali caiu. Então gritou por ela:
_Vizinha! 
Vizinha é vizinha, não interessa o nome, já basta a proximidade de endereço. Não carece mais intimidade. Nada dela responder, o alto volume do som que tocava qualquer coisa da Anita impedia qualquer possibilidade de comunicação.  Chamou novamente três ou quatro vezes. Enfim ela deu sinal de ter ouvido, pois chegou até o muro e perguntou:
_ Me chamou, vizinho?
Parece que ela pensava o mesmo que ele sobre as relações vicinais, pois também o chamou de vizinho.
_ É que achei o short de sua filha aqui no meu quintal.
Ele entregou o short. Ela olhou:
_ Não, esse short não é da minha filha... Ele é meu!
"Dela!" Ele exclamou em silêncio e bastante intrigado. Então imaginou o corpo da vizinha dentro daquela micro vestimenta. Imaginou e isso acionou em sua cabeça lembranças não muito agradáveis de se ter. Ele compreendeu desde esse momento o que era metafísica. Só mesmo a metafísica para enfiar um corpo adulto dentro daquele short de criança. Compreendeu também algumas das intenções maliciosas da metafísica. Começou a compreender também um pouco dessa coisa chamada música sertaneja universitária. Bem como porque filósofos como Hume e Nietzsche se empenharam tanto no combate ao transcendentalismo. Só mesmo deus com propósitos demoníacos para enfiar a vizinha dentro daquela roupa. E a vizinha depois só disse: "Muito Obrigada!". E ele só um "Por nada". Por nada mesmo.