RETRATOS DA VIDA IV (Uma casa e várias lembranças...).

As lembranças dos fatos que sucintamente iremos narrar parecerão para alguns de nossos prezados leitores (as) mera ficção, mas, os acontecimentos foram verídicos e por uma questão de ética, preservaremos seus nomes, pois já há alguns anos eles não estão mais neste plano. Ao recordá-los, é natural que nos envolvamos por forte emoção, pois, está ligada a nossa família (consanguíneo).

Corriam os primeiros anos de nossa pacata Curitiba da década de 50... Nossa avó, espírito imbatível, diante dos reveses da vida, guardava sempre dentro de si, ânimo, coragem e persistência diante das dificuldades de toda ordem que envolvem a muitos, - inerentes a um “mundo de provas e expiações”.

Nada a fazia esmorecer; no passado fora agraciada com a facilidade financeira, porém, no momento o quadro mudara; enfrentava agora, a carência, com recursos mínimos para a sobrevivência...

Abnegada mãe, tivera oito filhos, três do sexo feminino e cinco do masculino; naquela época já estava viúva, os filhos já tinham assumido suas vidas; um filho e uma filha, ambos solteiros permaneciam com ela, este filho era militar, tinha participado da FEB (Força Expedicionária Brasileira), na Itália, já no acaso da Segunda Guerra Mundial, ajudando com recursos na despesa da família.

A rua da casa que morávamos, terminava na frente do Quartel do Bacacheri. Por não ser pessoa acomodada e para ajudar no orçamento doméstico, resolveu oferecer refeições a alguns militares o que foi um sucesso e teve que limitar as vagas...

A filha mais nova estava noiva, quando conheceu uma das pessoas que ali vinha a fazer refeições diárias; já havia prestado o serviço militar, porém, o comandante do regimento, o contratou para concluir serviços de pintura artísticas* nos alojamentos...

Foi provavelmente um reencontro, de compromissos que, por um determinismo divino, se juntariam novamente, a fim de darem sequência as suas experiências reencarnatórias de expiação e provas, no eterno aprendizado de cada um...

Nesta nova situação (amor à primeira vista), ambos romperam os compromissos de noivado neste meio tempo, e foram incentivados a irem a um "Centro" que existe até hoje, (Centro Espírita Antonio de Pádua).

Na sequência, houve um fato que consolidaria a união de ambos. A direção da "Casa" resolveu ensaiar uma peça de teatro do Professor Leopoldo Machado, que escrevera um livro com peças teatrais, para incentivar as artes nas mocidades espíritas, em franco desenvolvimento em todo o país...

Eles foram os escolhidos para o papel de esposo e esposa da peça de teatro e mais tarde, foi apresentado numa sociedade com total lotação de público.

Terminado o trabalho em que fora contratado, e agora assumindo o compromisso de uma vida a dois, busca a estabilidade, ingressa e faz carreira na Polícia Militar do Estado do Paraná. E mais uma vez o seu dom nato é reconhecido... O casal teve quatro filhos, com as dificuldades naturais, de quem dispunha de poucos recursos financeiros.

Os cônjuges sempre acalentaram o sonho da casa própria, enquanto isto era protelado, tiveram que mudar várias vezes de endereço...

O tempo passa célere para todos... Os filhos cresceram, com as responsabilidades de darem diretrizes às suas próprias vidas.

Ele se aposenta, e, lhe é oferecido trabalho, numa Empresa de Economia Mista. Isto veio dar um melhor equilíbrio financeiro ao orçamento doméstico e com a real possibilidade de conseguirem finalmente, adquirir a sonhada residência e ficarem livres do ônus do aluguel e das constantes mudanças...

A esposa sempre que possível o ajudava com alguma atividade, embora com a saúde precária, pois fora submetida a uma séria cirurgia vascular, - em São Paulo, em face que aqui ainda não dispunham destes recursos. –

Repentinamente o esposo adoece e inesperadamente com um pouco mais de 50 anos, faz a sua passagem par o “lado de lá”. E ela fica só, com o compromisso de encaminhar os filhos, para dar andamento em suas vidas...

Uma de suas últimas atividades, foram: Enfermeira, Dama de Companhia, administrar as tarefas domésticas, atender as crianças do casal, e eventualmente fazer companhia na locomoção da anfitriã.

Além deste provento de seu novo trabalho, o recebimento das duas pensões do marido, dão total equilíbrio às despesas domésticas. Com o seguro de vida, recebido também, pela morte do marido, finalmente se concretiza a compra da moradia protelada há várias anos, em face das dificuldades. E nós, fomos os “agentes” desta real possibilidade. Bem próximo de onde moramos havia uma casa à venda, num conjunto habitacional construído fazia algum tempo. A compra foi realizada com uma entrada e ela, assumira as prestações restantes para quitação do imóvel, que foi devidamente registrado em cartório...

Comumente se diz: A felicidade não é deste mundo... E quando a vida estava mais amena, os filhos encaminhados para cuidarem de suas vidas e após suas Formação Profissional, vem a falecer, - nos primeiros anos da década de 90, - completara um pouco mais de 50 anos...

Nesta semana, acompanhamos um neto que fora buscar o seu carro no conserto, cujo local fora sua casa... Os filhos a venderam e a mesma foi demolida. No local foi construída esta Oficina Mecânica...

A vida de seu esposo guardava um mistério, vindo à tona somente após o seu falecimento. Seu filho se formara advogado, quando se inteirou sobre os reais fatos da vida do pai. Na mocidade viera foragido de Portugal, em face da ditadura lá reinante, indo parar na Bahia, alegando ter perdido todos os documentos, tirou uma nova identidade com o mesmo nome, exceto, o sobrenome que foi de propósito, não acrescentado. Com a queda da longa ditadura, as autoridades procuravam os foragidos políticos para darem a eles a cidadania perdida.

Este filho, foi a Portugal, conheceu os parentes, (neste meio tempo uma tia sua já os tinha encontrado e passou a residir com eles), deu a família verdadeiro sobrenome do pai falecido, omitido por longos anos em face das perseguições políticas que estavam sujeitos, enquanto a ferrenha ditadura de Salazar perdurasse.

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*Possuía um dom nato à pintura. As paredes do alojamento foram pintadas com figuras quase em tamanho real: o Grito do Ipiranga, a Batalha de Guararapes, etc. A preparação das paredes foi por um processo que desconhecia, mas teve por intuição, a fim de que pudesse executar o trabalho com perfeição. Era exímio desenhista em desenho preto e branco com Lápis Crayon, numa prova evidente, que experiências do pretérito, - vivências - eventualmente, podem se manifestar como um dom-nato...

Um feliz feriado de carnaval a todos. E até a próxima Reflexão do Cotidiano, se Deus assim o permitir.

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Curitiba, 17 de fevereiro de 2.012 – Reflexões do Cotidiano - Saul

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