A Máquina
Aquela Máquina sempre me intrigou, passava por ela muitas vezes, e muitas delas detinha-me para fitá-la, tocá-la e senti-la. Ouvia as histórias, fantasiava os desafortunados, sonhava por noites em assisti-los, desejava estar presente a um espetáculo. Até que finalmente depois de muito tempo sem uso aquela estranha e excêntrica Máquina iria trabalhar. A MÁQUINA, era assim que eu a chamava era assim que pensava nela, era assim que sonhava com ela.
Era uma tarde sórdida, cinzenta, o vento estava vigoroso, gelado, a cidade parecia sombria e suja, as pessoas estavam amontoadas, e todos corriam para a praça, todos queriam ver a atração. Ao acaso um miserável diante outros miseráveis era executado para a alegria e o horror do povo.
No centro da praça estava a estranha e curiosa Máquina, apoiada por dois troncos verticais e uma lâmina suspensa por uma corda, esperava para ser solta atrás de sua vitima como um predador que abocanha sua presa sem que ela tenha tempo de escapar, todos os infelizes que passavam por ali não tinham tempo de arrependimentos, tempo de esperanças, em menos de um segundo a impecável geometria de 2,25 metros descia violentamente decapitando o condenado e sua cabeça degolada caia escorregando escada abaixo degrau por degrau, deixando um estrondo cujo efeito surtia em arrepios na plateia. A Máquina foi inventada com o fim de não causar sofrimento, tinha fama de oferecer a melhor morte, qualquer um sentenciado por ela teria tal privilégio de não sofrer. NÃO! Não em minha opinião. Esta seria sua qualidade, se não fosse tal qualidade que a fizesse ter o pior defeito, toda alma ainda tem esperança de escapar. Aquela afiada lâmina devora suas vidas da pior maneira possível, pois até o mais infeliz dos homens, até o mais ordinário e o mais corajoso desejavam no último momento ter uma chance de safar.
Dentre a multidão, eu estava lá, estava ansioso, sentia um odor hostil, minhas mãos estavam suadas, meu coração estava acelerado, as massas de curiosos lotavam mais e mais a praça, as pessoas estavam gritando, estavam rindo, estavam xingando, se mexiam, gozavam com o cenário, sedentas para a lâmina atuar não conseguiam se conter, esperando para verem o gotejar de sangue em seu gume. Mas eu não podia sequer me mover, estava imobilizado, via vultos passando na minha frente, vozes se misturavam, e minha inquietação apenas crescia.
Enfim foi prometido, escutei grotescos passos de metal, os guardas estavam indo e com ele o infeliz, já no cadafalso era possível ver com exatidão a temida lâmina tão reluzente e espelhada, e então eu o vi, subiu as escadas puxado pelos guardas, e no último degrau foi solto, eu o vislumbrei, seus olhos estavam tomados pelo pavor, sua expressão mostrava agonia, loucura, suas pupilas estavam dilatadas. Quando subiu o ultimo degrau, suas pernas queriam ceder, eu pude ver, pude sentir, mas por obediência a seu dono, elas acataram, ele me encarou, sustentou meu olhar que não pude desviar acompanhando-o a cada sacrificado passo dado. Quando ficou frente a frente com a Máquina, frente a frente comigo, suas pernas não puderam obedecê-lo e fraquejaram, ele caiu sob os joelhos, dentre a loucura do seu olhar, ele me contemplou como uma prece em busca de perdão, ele sabia que era tarde, os guardas deitaram sua cabeça encaixando-a sobre a fenda, e neste ínterim, ele não deixou meu olhar, e nem eu o dele, sua cabeça e suas mãos foram presas pelas tábuas, era o fim ele sabia, a expressão de horror em seu olhar não me abandonava e ele estava preso. Preso a guilhotina, ele ia ser decapitado pela guilhotina e não havia nada o que fazer, a tortura jaz no fato de que não há, certamente, meios de escapar. E então, a lâmina caiu.