Saudade sertaneja

Ainda hoje aquele casal de idosos acordam tão dispostos. Alimentam os seus pintassilgos, comem cuzcuz com leite. Sonham com um futuro sem dor de cabeças e pílulas mágicas. Tinham filhos espalhados pelo Sudeste, principalmente em São Paulo. Abriram bares, pizzarias, restaurantes. Retornaram à terra natal para investirem em gado leiteiro e de corte. Seus filhos trabalhavam duro e tinham até bons carros.

Essa gente de sorriso farto, de bolos de milho saturados de amido e de alegria. Essas pessoas de missa, de chegarem cedo na Paróquia, são bons de trato, são antecipados ao relógio inglês. Esses brasileiros tão humildes, aportuguesados nos costumes, enfrentam talvez um choque cultural com a nova geração. Essa geração atual não curte missa, anda de gel nos cabelos, adoram hambúrgueres e salsichas. Aquela geração mais antiga teve tantos descendentes quanto podiam sustentar suas mãos calejadas de cortar lenha e de raspar coco.

As melhores estórias não são ficcionais. Esse povo conta tanta estória de vida bonita, de superação, de migração, de dar a volta por cima das adversidades. Nobre gente sertaneja e caatingueira. Esse povo misturado ao pó da botina e ao cafezal mais aromático. O caboclo persistente nos áridos chãos onde o umbuzeiro arregimentou a umidade. Essas cidades onde muito se tem uma pracinha, onde a moda da viola toca tão serena. Foi uma região que podia muito bem ter parado no tempo das estradas de ferro, da Ferrovia Leste que cortava o Nordeste de fora a fora. Porém, onde os tratores chegaram aplainando as cultivares de soja, trouxe benefícios, educação e renda. O agronegócio substituiu a quitanda. Na quitanda de Mané Vito se tomava um bom trago, se fumava fumo de rolo, se enxaropava de mel de mandassaia.

A costureira Terezinha fazia tanto vestido bonito, boné e chapéus e tudo bem bordado e à mão como os melhores alfaiates italianos podiam fazer. As serenas tardes onde o frio do sertão germinava o feijão na panela colocada no fogo à lenha. Que saudade destas vidas de roça! As caretas que passavam no dia de Judas assustavam os meninos danados. Os pirulitos de mel eram cônicos e do tamanho do mundo. As pinhas, mangas, goiabas e laranjas tão doces que nem se tinha necessidade de chupar balas. Tanta coisa boa perdida na máquina de fazer sorvete que geme nos shoppings onde as pessoas degustam a mesma cobertura de chocolate que se utiliza no “cupcake” e no confete de jujuba.

Vinicius Santana
Enviado por Vinicius Santana em 01/09/2015
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