A menina contadora de moedas
A menina que contava moedas também contava fichas telefônicas. Empinava arraias nos céus embaçados de carbono e papel. Os céus eram tão altos quanto o ozônio advindos dos raios cósmicos. Quanto papel a menina precisaria no futuro? Ela usava um tablet que era um pequeno computador de Chocolate. Tablete é nome de chocolate com certeza. Essa engenhoca fazia pedidos dos melhores chocolates suíços entregues por delivery. Mas se a menina entendesse que não precisaria de tanto papel ela não teria pedido a seu pai para comprar fileiras enormes de estantes de Madeira de Média Densidade. Ah...! estantes tão belas de mogno seriam proibidas futuramente devido as Leis de Proteção Ambiental pesadíssimas. Tudo que levasse esse nome proteção era diametralmente oposto. A proteção do preservativo estava deixando as meninas engravidarem aos 12. A superproteção dos pais estava levando a liberalização das drogas ilícitas. As corridas de stock car em circuito oval eram tão seguras e protegidas que ninguém podia morrer tangenciando a pista. O filtro solar que a menina passava todas as manhãs era um tipo de proteção contra o bronzeado matinal. Existiam poucas bonecas, muitos avatares no sistema virtual. O jogo do bicho era proibido, por outro lado, todos os meninos e meninas podiam jogar por mais de 5 horas diárias todo tipo de game virtual. As praças estavam ultimamente tão chatas, com todos aqueles pássaros boçais reclamando um pouco de água e frutas frescas no jardim. Porque a menina tinha desencontros e elocubrava sobre suas tardes corriqueiras passarem tão calmas, inóspitas e superficiais? Onde estavam os poetas naquele mundo? Eles compraram e se tornaram empedernidos em suas ilhas, açoitavam sua própria epiderme com incenso de alecrim e folhas de umbu-cajá. Os grilos cricrilavam fazendo a festa noturna a fim de afrontar as corujas de olhos esbugalhados que imitavam os acadêmicos flertando a sorte dos comuns. O despertar da menina para uma vida adulta seria extenuante, com todos aqueles batons, maquiagens, blushs, saponáceos, gargantilhas, pulseiras e bolsas que adornavam a ilusão de crescimento pessoal.