A esquina da saudade.

Eu me chamo Helena. Sou cuidadora de um idoso de setenta e oito anos, o nome dele é Sebastião. Ele está com mal de Parquinson e não consegue pegar nada com as próprias mãos. Nenhum dos filhos pode ficar com ele durante o dia e por isso me contrataram. Eu sei das dificuldades financeiras deles e por isso já fiquei sem receber muitas vezes. Mas não abandono meu velhinho. Ele precisa de mim. Eu sou enfermeira aposentada e não morrerei de fome sem o pagamento deles. Quando as coisas melhoram eles dão um jeito de pagar os atrazados. Mesmo porque eles sabem que muitas vezes eu acabo comprando coisas pro pai deles com meu dinheiro.

Todos os dias para vir trabalhar, eu tenho que andar alguns quarteirões e dobrar apenas uma esquina. Lá funciona uma lanchonete especial que se chama Skina Center. O dono da lanchonete sempre foi meu amigo. Lembro-me bem da nossa infância e de como ele sempre foi cordial comigo apesar da separação social que existe entre minha classe e a dele. Ele se chama Bito. Sim porque seu nome é Benedito mas tem um certo preconceito com esse nome e prefere assim. Nunca fomos mais do que amigos e com isto venho provar que homem e mulher podem ter uma amizade. Mesmo que digam que não, eu sou contra esta concepção, pois tenho muitos amigos e entre eles, alguns são homens.

Bito me espera todos os dias na esquina. Compro o jornal na padaria que fica a dois quarterões da esquina e assim que chego ele já me espera com um delicioso sanduba que devoro assim que chego no trabalho. É uma troca justa diz ele. Porém eu já falei que não precisa. Mas não vou fazer desfeita né? Ele faz com carinho. Conheço a familia dele desde seu casamento. Fui madrinha de casamento e amiga de sua esposa que já partiu pro andar de cima.

Eu tenho cinquenta e oito anos de idade e Bito tem quase a mesma idade minha. Porém ele parece bem mais velho. Acho que foi o sofrimento da perda da esposa. Eu perdi meu esposo mas reagi diferente. Fui a luta.

Naquela esquina já batemos longos papos quando chego antes do horário de sempre. Mas um dia notei algo estranho. Ele não estava lá. A lanchonete estava fechada. Não havia ninguém para me informar onde andaria o Bito.

Segui para meu trabalho e fiquei preocupada com Bito o dia inteiro. Meu trabalho é a algumas casas alem dali, mas não pude sair pra perguntar por ele.

Os idosos são como crianças. Imprevisíveis. Naquele dia o Seu Tião, estava um dengo. Parece que advinhou que eu precisava saber do Bito.

Ocupei-me dele o dia inteiro e a tarde quando o filho dele chegou fui bem rápido até a esquina. O Skina Center estava aberto e entrei sem cerimônia. Atrás do balcão todo sorridente estava o Bito. Entreguei o jornal e perguntei o que havia acontecido e ele respondeu:

_Sou avô. Você acredita?

_Que lindo! Puxa eu quase morri de susto quando não te vi aqui de manhã. Como é o bebê?

_Linda!!! É uma menina. Nasceu esta madrugada. Minha filha entrou em trabalho de parto as tres horas da manhã. Assim que começaram as contrações corri com ela para o hospital.

_Mas e o marido dela?

_O frouxo desmaiou. KKKK

_Puxa, não se fazem mais homens como antigamente! Quando tive meu primeiro filho meu marido quase fez o parto. Chegando ao hospital ele me alojou na maca e orientou até os enfermeiros. Devem ter rido dele. E como seu genro ficou?

_Sei lá!! Deixei o cara desmaiado e fui acudir minha filha. Só sei que ele chegou no hospital, todo sem graça, duas horas depois. Mas fiz o seu sanduiche, só não consegui entregar pois vi que era tarde. Acabei dando pro mendigo da outra esquina.

_Vamos então combinar assim: Voce dá todos os dias um sanduba pra ele e eu trago o jornal pra você. Ele precisa muito mais.

_Veremos.

Daquele dia em diante o Bito passou a fazer dois sandubas. Um pra mim e outro pro mendigo. Bito fez mais do que isto, ao prestar mais atenção ao mendigo, ficou conhecendo o homem e lhe deu um emprego na lanchonete. Agora ele não é mais mendigo.

Mas infelizmente nossa vida sofreu um abalo cruel e o destino cuidou de mostrar que não podemos regê-lo.

Dois dias depois encontrei Bito em frente ao posto médico. Era uma terça feira em que fui levar o Seu Tião pra uma consulta de rotina. Ele aparentava estar um pouco triste. Não perguntei. Esperei que ele falasse. Cumprimentei-o cordialmente para não dar motivo a algumas candinhas presentes. Mas ele veio me abraçar. Chorava muito e eu abracei ele também.

Disse-me que sua netinha tinha um problema no coração e que não tinha solução. O coraçãozinho dela estava inchado. Acalmei-o e disse que tentaria achar um jeito com um amigo cardiologista. Acabada a consulta da menina, fomos embora e eu peguei carona com eles pra levar seu Tião.

Cumpri o que prometi a ele mas foi tarde demais. Quando meu amigo cardiologista ligou pra ele, a menina havia sido internada em estado grave e já tinha falecido.

Bito ficou arrasado demais. Pra completar seu desespero a filha dele entrou em depressão e suicidou-se. Então ele desabou. O filho mais novo dele, o internou em uma casa de repouso e ele vive lá agora. O triste é que ele não reconhece ninguém, nem a mim, sua melhor amiga.

Só eu e o João (o antigo mendigo) vamos visitá-lo além de seu filho.

Cada vez que eu passo naquela esquina, fico emocionada.A lanchone te não está funcionando mais. Ali é como se fosse o túmulo de um irmão. Vou visitá-lo toda semana na clínica e farei isso enquanto vivermos, mas ele continua sem se lembrar de nada. Aquela esquina pra mim é e sempre será a esquina da saudade.

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 14/08/2015
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