SOBRE A DÁDIVA DE SER REI
Eles já sabem que eu vou chegar na cidade. Então, o centro, - lindo e sempre cheio -, se esvazia e só reemanesce sua beleza iluminada pelas luzes plenamente acesas para me ver caminhar. Cada pedra que pavimenta essa praça, cada edifício que a faceia ao seu redor, as estátuas, a antiga e estonteamente Mesquita, difícil imaginar que tudo isso é para mim. Não há caminhos restritos pelos quais eu deva exclusivamente passar, aos quais deva estritamente seguir. Não há cadeiras sufocantes, limitadoras, todos os lugares são aconchegáveis, como um grande berço.
As árvores balaçam suavemente nessa brisa de verão. O tempo é bom. O céu é limpo e iluminado por muito mais que um mísero e solitário sol. A natureza também me serve como se rei dela eu também fosse.
Posso dizer o que eu quiser. Minhas palavras serão, são, recebidas com respeito e plena consideração por minhas barbas longas. Com o mesmo silêncio com que os pupilos escutam seus sábios, com aquele leve curvar da cabeça que, como as árvores, pendula levemente reforçando o concordar que o calar faz nascer e perpetua. Muito além do academicismo, minha voz saltita e dança. Emito notas, eu grito. Eu repito a bel-prazer o que desejo fazê-lo. Eu me interpreto, eu me recrio. Sou um artista num palco construído de verdade, pelas mãos do meu povo.
Meus súditos escondem-se de vergonha de sua majestade, como naturalmente têm vergonha as criaturas inferiores. Nada ordenei aos meus vassalos em voz alta, eu os respeito, lhes sou bondoso também. Para que não cruzem meu caminho, lhes concedo um intervalo do dia para aproveitarem tudo isso, dividirem comigo essa riqueza. Nosso acordo é tácito de tão poderoso - subentendido, régio, elegante e soberano .
Embora artista maior, sei que os súditos têm seus expressares. Só loucos, fãs desprovidos de momentânea consciência ousariam subir ao palco do grande protagonista e assim eles os que o fazem naturalmente são. De quando em vez um ou outro se arrisca a cruzar-me o caminho. Eles vêm, tentando imitar sua majestade - nos gritos, nas caras, no caminhar peculiar. Os deixo passar como os deuses têm apreço pelos errantes mortais que almejam o Olimpo.
O sino da Igreja toca. Os mil sóis meus no céu dão lugar à monotonia de uma estrela só. São quatro horas da manhã e sou um velho e bêbado mendigo zanzando na praça Szechenyi, na cidade de Pécs.