Meu problema com bebida

Porra!

Eu havia perdido mais uma mulher.

Mais uma me batera a porta à cara e saíra com passos apressados de minha vida, em direção à qualquer outra história.

Pensei por muito tempo que aquilo talvez fosse uma praga do destino, ou um Karma qualquer de outras encarnações. Se fosse isso, eu tentava imaginar que tipo de crimes eu tinha cometido para merecer tanto coice no meio das bolas dessa existência.

Eu sempre tinha que lidar com esse tipo de perda.

Eu podia perder uma infinidade de outras coisas... um rim, um olho, todo o meu dinheiro...

Mas não...Eu perdia minha alma, pedaço por pedaço, cada vez que um relacionamento meu acabava.

Achei que ia enlouquecer se aquilo continuasse. Portanto considerei o suicídio uma saída justa.

Mas não podia ser algo convencional. Eu não queria que minha morte fosse considerada clichê. Ainda mais por que eu era um escritor, e não havia nada mais clichê do que um escritor suicida.

Era agosto, eu acho. Ventava bastante, como de costume. Num sereno danado, depois de um chuvisco, eu resolvi sair de casa para o quintal. Tirei a roupa e me sentei no chão.

Morreria de hipotermia, estava decidido.

Depois me peguei no riso...

ninguém morria de frio em Recife.

Eu estava um pouco descontrolado, confesso.

Destemperado, como diria minha avó.

O cachorro, meio pastor alemão, meio vira-latas, veio me lamber o rosto. Quase como se estivesse preocupado.

Ele tinha todo o porte de cachorro de raça, mas não escondia um espírito de vadio de rua. Não podia ver lixo que espalhava.

Minhas mulheres se apaixonavam por ele. Talvez mais do que por mim. Uma até tentou roubá-lo.

Bem... eu estava vivo ainda. Espantei o cão e tentei bolar uma morte interessante para mim mesmo. Forca parecia muito desesperado. Eu não suportava armas de fogo, e não me via com coragem suficiente para enfiar uma peixeira nos meus intestinos. Com certeza eu não tenho sangue de cangaceiro. Cortar os pulsos também me parecia deprimente... além de sujo. Tomar remédios sempre leva ao risco de pensarem que eu tinha sofrido de uma overdose inesperada, o que não era minha intenção.

Concluí que eu era um péssimo suicida, ou era muito bom em encontrar desculpas para não fazer aquilo.

Pensei em subir no pé de sapoti... carregado de lodo e úmido depois da breve chuva.

sempre tinha a chance de eu cair e morrer por consequência.

Poderia muito bem ser interpretado como um acidente e eu ficaria livre do fogo eterno do inferno por ter tirado a própria vida. Esperava sinceramente que essa jogada fosse colar quando do meu julgamento pelo Altíssimo.

Eu não era cristão de fato, mas tinha sido criado em família católica. Logo eu tinha um medo danado, lá no fundo, de ir pro inferno.

Subi na árvore, e mesmo com mais de trinta anos, eu parecia me lembrar de como escalar num pé de planta sem cair. Meu tempo de moleque talvez não estivesse tão longe.

Fiquei lá em cima por um tempo. Uma coruja passou piando ao longe carregando um rato nas patas.

Meditei sobre toda a existência e sobre o fato de todo o universo caber dentro do momento em que você está no meio das pernas de uma mulher que ama.

Aqueles minutos parecem comparáveis a eternidades e na cama pode caber um universo inteiro.

Fiquei mais deprimido ainda.

E no auge da minha melancolia, percebi a caixa d’água da minha casa.

Resolvi ir lá em cima.

Desci da árvore e escalei a parede até alcançar o telhado. Fui andando até a caixa e contemplei a tampa cinza-caiada, rachada pelo sol inclemente e pela ação da umidade interna.

Pessoas passavam na rua, e com certeza se perguntavam o que fazia um homem pelado, olhando uma caixa d’água depois das nove horas da noite.

Davam-me por um doido, por certo.

Abri a tampa e me sentei dentro da água. Afundei a cabeça e quando retornei a superfície me veio a ideia.

Eu ia beber todo o conteúdo do tanque.

Morreria por intoxicação por água.

Não é algo de que morra alguém todo dia. Mas era um tipo de morte real.

Já via até o recorte do jornal

- Encontrado morto professor universitário pelado em caixa d’água de sua casa.

Suspeita-se de suicídio por ingestão excessiva de líquido.

Afundei novamente e tomei um grande gole.

E outro. E outro.

Segui tomando até ter vontade de vomitar, e então tomei outro gole.

Acho que comecei a ter alucinações.

Tentei respirar, mas não conseguia botar ar dentro dos meus pulmões.

Quando pensei que morreria em completo desespero, tudo ficou calmo.

Por um minuto, ou um século, eu me senti finalmente em paz.

E então adormeci.

Acordei com o sol do meio dia no meu rosto. Estava com água até o pescoço ainda.

Eu somente adormecera.

Me levantei, confesso, com a dignidade abalada.

Desci do telhado esperando não ter sido visto por ninguém.

Dei comida ao cachorro, me vesti e fui para junto do computador.

Abri o editor de texto e comecei a escrever.

No fim, eu esperava apenas que eu fosse um melhor escritor,

do que era suicida.

Morrer não parecia tão interessante.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 11/08/2015
Código do texto: T5342439
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.