A Pequena Bailarina

A música a hipnotiza . É muito bom para a menina ouvi-la e principalmente sentir os pés a voarem pelo ar entre os passos do do balé. Entre um Pliê e uma espacada fica a imaginar que esta a dançar o Lago do Cisney e que é a bailarina mais famosa. Fecha a carinha e sai em disparada. Desçe a escada e corre para a porta.

_Volta aqui menina! Onde vai? Ah! Menina maluca! Qualquer dia desses vai me deixar maluca também.

_Calma mulher! Ela deve estar procurando outras meninas. Disse o homem na janela do vizinho.

_Que nada Dirceu, é assim todo dia. Você não ouviu a música da caixinha?

_Que é que tem?

_Ouve a música e depois corre pra rua e fica em frente a academia de balé a observar as meninas a dançar.

_Porque não coloca ela na academia?

_Não posso pagar. É particular e muito caro. Deixa ela sonhar que sonhar não paga imposto.

_Coitada, Luci, tenta arranjar com alguém uma bolsa. Sei lá, de repente alguém dá jeito.

_Quem, homem de Deus? Quem me daria uma bolsa pra esta maluca dançar balét?

_É melhor deixar ela sonhando assim então?

_Sei lá. Deixa pra lá.

Ela fica em frente a academia de balét todos os dias e a música a leva pra lá de bagdá. É tão lindo! Ela queria dançar. Faz o tendu, o jeté como ninguém. Um fondú tão delicado e um Grand Battement que nem parece que não tem uma barra pra executá-lo. Seus En dehors são perfeitos e parece mesmo que seus pés sempre estiveram nessa posição voltados para fora. Adágios tão delicados que parece que sempre fizera isto.

Um dia aconteceu uma coisa estranha. Uma menina saiu do balé e disse que não queria mais dançar. Jogou as sapatilhas de ponta novinhas no lixo e entrou no carro em frente a academia. Ela não perdeu tempo. Pegou as sapatilhas e levou pra casa.

_O que é isto menina? Quem te deu isto?

"_São sapatilhas de dançar balét, mãe. Uma menina jogou no lixo. Eu peguei pra mim. Azar o dela."

E correu pro seu quarto pra experimentá-la. Deram certinhas nela. Abriu a caixinha e comecou a dançar. Ficou na ponta do pé que nem a bailarina da caixinha de música. Sentiu-se voando. Ah se tivesse a saia de tule e o colan de balét. Seria uma excelente bailarina.

Naquela noite dormiu com as sapatilhas. Não houve quem a convencesse a retirá-las. Mas no dia seguinte teve que calçar o tênis para ir a escola. Ficou com medo da mãe jogar fora e levou consigo dentro da mochila. As colegas vivem debochando dela. Dizem que jamais será uma bailarina. Uma delas abriu-lhe a mochila pra pegar um objeto emprestado e encontrou a sapatilha. Ela imaginou que Susi tinha entrado pro balé e por isso espalhou pra todo mundo que ela finalmente tinha conseguido. Estava fazendo aulas de balé. Tentou desmentir mas a voz não saiu. Agora todos querem vê-la dançando baléna apresentação e prometeu se esforçar bastante pra dançar pra elas na próxima semana.

Nem contou pra mãe. Saíu de casa depois do almoço direto pra academia como sempre. Calçou as sapatilhas e ficou observando as meninas pela vitrine e repetindo os passos. Com medo de uma das colegas vê-la ali mas o medo não foi o bastante pra fazê-la desistir. Fez isso durante quatro dias e nem viu que estava sendo observada. Era o dono da farmácia. Ele deixava o balcão e vinha pra frente só pra ficar olhando. Aquela menina pequena, agora com sapatilhas de ponta e saia de algodão cru, blusinha de algodão, parecia dançar balét. Foi ficando emocionado com aquela cena que se repetia todas as tardes e passou a chamar algumas pessoas pra ficarem dentro da farmácia a observarem.

Ao lado da farmácia tinha uma barbearia. Muitas pessoas faziam a barba e cabelo ali. Logo se juntaram aos observadores da farmácia. Em uma semana já eram mais de quarenta pessoas que observavam a pequena bailarina que lutava pra colocar a perninha sobre uma barra invisível e ficava na ponta dos pés a rodopiar. Um dia o prefeito veio cortar o cabelo e viu aquele público todo na porta da farmácia e barbearia e se juntou a eles. Ficou tão emocionado que resolveu se aproximar e tentar saber da história da menina.

_Ei menina! Quem é você?

_Desculpa moço! E já ia sair correndo.

_Não é pra se desculpar. Quem é você minha pequena bailarina?

_Meu nome é Susi. Tenho oito anos. E vou ser bailarina.

_Tenho certeza disto querida!

- Queres muito isto?

_Sim.

_Então será.

E aplaudiu a menina, entre lágrimas, juntamente com as outras pessoas que a observavam. Todos caminharam até lá e continuaram a aplaudir a menina. As alunas da academia sairam acompanhadas da professora e vendo aquele furdunço participaram das palmas.

Susi não entendeu nada, mas graciosamente agradecia aos aplausos curvando-se delicadamente. De alguma forma sabia que eram para ela.

O prefeito conversou com a professora e com a mãe da menina, que mandaram chamar e não parava de chorar, e fez pessoalmente a matrícula da menina na academia. Disse que nunca mais queria ver uma criança na calçada sonhando com uma atividade que deveria atender a todos. Junto a Secretaria de Ação Social do município fizeram um projeto e a menina foi a primeira aluna dele.

Entre todas as alunas que brilharam na primeira apresentação do projeto no final do ano, estava a pequena Susi e ninguém brilhou mais que ela. Girava no ar e saltava lindamente na ponta dos pés.

Susi foi escolhida aos dezesseis anos, para estudar balet numa escola em Moscou. Sua mãe mudou-se para lá com ela, com as despesas pagas por alguns figurões da cidade, que ficavam encantados com o talento da menina. Até hoje, parece que a gente ainda vê na calçada, a pequena menina a dançar escondida. E para que a gente nunca a esqueça, a professora de balét escreveu um livro contando a história da persistência de Susi. Ele é muito vendido na cidade, e tem a renda revertida para o projeto de balét da prefeitura, que hoje se chama "Balét com Susi".

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 10/08/2015
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