tropeços e familia

Feriado prolongado zinha resolveu ir na sua cidade rever a família, a melhor amiga ia se casar, estava com vontade de ser mãe, a princípio pensou passar uns meses numa tribo estudando raízes se deitar com um índio por La e ser mãe numa floresta

Queria ter o filho de cócoras, cogitou banco de sêmen, mas desistiu na entrevista onde foi informada a respeito dos contras.

Seguiu seu destino, congestionamento prolongado foi inevitável dar um jeito de aproximar de uns jovens barulhentos que iam para a mesma cidade visitar um amigo, despreocupada, totalmente desarmada, logo fazia parte do grupo, animada, falante, eram uns 3 casais, universitários, não conheciam o lugar onde estavam indo, o endereço era próximo da casa onde morava a família de zinha.

Resolveu levá-los para o outro lado da cidade, passar na casa da irmã, tinha uma piscina simples, as praias eram lindas e eles não conheceriam esse lugar se não fosse meio na doideira, foi divertido, foram bem recebidos e no dia seguinte depois de caminhar em busca da lagoa que não acharam , da praia que não viram, do rio que não apareceu e da piscina que já não existia, pegar carona numa Kombi velha, foram levados ao endereço do tal amigo, eles se divertiram, marcaram a tarde na porta de um delicioso boteco, o proprietário anos mais tarde foi brutalmente assassinado por assaltantes sem coração, um homem bom, trabalhador que gostava dos seus cliente.

Tomavam umas cervejas, discutiam a aventura quando um carro chamou a atenção na rodovia em frente ao boteco, uma freada brusca, uma batida sem grandes consequências, só um amassadinho, a placa ficou bem a frente da mesa onde estavam, zinha falou:

--número 9, namorei 9 anos, hoje são 9, quer saber? Vou voltar com meu antigo namorado que namorei 9 anos, vou casar, ficar por aqui, é maio, mês 5, pra nove falta 4, mês 9 vou me casar, ter um filho, melhor, uma filha, a faculdade fica pra depois, é isso que quero, ser esposa, ter filhos, marido, vou indo, beijos, ligo pra vocês para me despedir, estou de férias e vou ficar mais um pouco por aqui.

Encontrou o tal namorado, casou, engravidou exatamente como falou, com 6 testemunhas, que nunca mais se viram.

Era imensa a alegria e felicidade da família querida, mamãe, irmãozinhos consideravam zinha morar sozinha numa cidade grande as próprias custas, estudar, crescer profissionalmente, rebeldia, ovelha negra, zinha amava livros, teatro, esporte, fazia caratê, estudava, queria muito que se orgulhassem disso, mas casar com vestido branco, padre, véu, flor de laranjeiras, um homem pra limpar o nome de uma moça que teve a pachorra de morar sozinha, estudar, trabalhar, gostar de show, rock in rio, assistir Kiss, Cazusa, gostar do barão vermelho, placa luminosa, ir ver Jorge bem, fazer faculdade, caratê, trabalhar numa farmácia homeopática, já estava sendo treinada para assumir a gerencia do escritório, criou vínculos com uns malucos universitários e outros roqueiros, jacaré água brava, realmente uma porra louca, que sorte um homem para lavar a honra dessa garota doida que pensa que pode ser independente, ela não é Rita Lee nem Elis, muito menos Leila Diniz, vai ser Polyana, jogar o jogo do contente e ser feliz

Engravidou, casou no cartório em julho e na igreja em setembro, do jeito que falou, todos felizes, o noivo até tinha uma namorada com quem ele tinha muita sintonia e tesão, mas zinha era a mulher perfeita para ele e ambos queriam ser amados por suas famílias, aceitos, admirados.

Na ida para a igreja o pai estava no ponto de ônibus com o tio, zinha pediu para parar o carro linda no seu vestido de noiva, que ela deu seu toque antes de se arrumar, tirando a metade do que havia no vestido,

-Não pode ir com a noiva, não é protocolo, disse o cunhado que estava de motorista em tom de brincadeira, mas zinha parou assim mesmo

com o pai e o tio seguirão para igreja, tinha muita sintonia com o pai, o mesmo jeito brejeiro, simples de ver a vida, já estava grávida com a felicidade dentro de si, a filha tão desejada, estava de 3 meses, já sabia que o marido maravilhoso tinha mentido em várias coisas, inclusive que ela era única, mas era favorita, a esposa, a de papel passado, tinha o que procurava de fato, ser mãe, decidiu que ia estudar, criar a filha, se aborrecia quando alguém dizia que ia ser um menino, ia ser menina, sentia isso, ia focar na criação da filha, ter uma família, ia ensinar pra filha, rock, praia, livros teatro, música clássica, línguas, prazeres, vida....vida...., poesia, nada de aprender lavar, passar cozinhar. Complexo de Cinderela não era o que sonhava para a filha.

Marido ganhava bem, tinha nome bonito, referência da família, reunião pra tratar assunto delicado? Na casa de zinha, como a atitude brilhante do irmão mais velho esconder um assassino na casa do pai, um senhorzinho já aposentado e que morava só, era um Mané como dizia a mãe de zinha, não tinha ambição, um crente sem eira nem beira não merecia atenção,

Zinha ficou pobre, o príncipe um homem inseguro, chorão sem perspectivas, teve que criar a filha, conviver da melhor maneira com o marido e seus problemas emocionais, traumas e conflitos mal resolvidos, a família deu no pé, o irmão passou a perna, numa sociedade que ela acreditou e deu o melhor de si, as panelas eram escondidas quando zinha chegava para almoço de domingo.

Resiliência tinha na bagagem, mudou para uma periferia, um anjo emprestou açúcar, biscoito e dividiu sua linguiça, a natureza presenteou com muitos maracujás que cresceram naturalmente em seu quintal, começou um comercio que se tornou prospero, a filha crescia aprendendo tudo que zinha sonhou ,música, arte, cultura, prazer com os livros, vida...vida , o marido cheio de complexos, amaras, conceitos e preconceitos destruía os sonhos de uma linda história, do imenso desejo de construir a tão sonhada família, mas o comercio crescia.

A família de zinha deu logo um jeito de se reaproximar, se enfiava e dava palpite, nenhuma ideia para construir, só destruir, deixa esse cara aí, larga ele, vem com a gente, você pode, você é, para que construir casa em praia? Esta doida? Trocar de carro para esse bonitão ficar andando as suas custas? Deixa de ser idiota.

Irmão mais novo de zinha morava a 10 minutos da rodoviária, mas o cunhado que ia cheio de carinho buscar o sogro a 1 hora e meia de casa, aposentado porque o genro arrumou um trabalho digno para o sogro que até então tinha sido pedreiro e vigia noturno.

O genro levava a sogra em passeios, compras, fazia todas suas vontades, o humilde plano de saúde de zinha era o único que ela tinha, os filhos ricos empresários e bem sucedidos não se preocupavam com ela sem renda, zinha conseguiu um benefício. Era um bom sujeito o marido, mas não respeitava zinha, tinha a ideia que ela era farinha do mesmo saco que a família que ela tinha e com isso o respeito passava longe não importava o esforço que ela fazia

Zinha partiu, foi morar com a mãe, sua princesa precisava crescer, trabalhar seguir sua história, as duas deram o melhor de si.

Zinha se apaixonou, se lambuzou de paixão, namoros, aprendeu gozar sem nenhuma vergonha, se deu o direito de ser mulher, depois de 22 anos com medo do pecado, dos conceitos patéticos, sapato apertado, ouvindo Raul pulou o muro e isso não agradou a família querida, não brigou por direitos, achou por direito apenas partir com suas fotos no saco e fatos no pensamento e coração.

achou natural cuidar da mãe, dar a ela uma casa digna, limpa, quase 90 anos e a mãe com o quintal sujo, com galinhas, ratos e lixo, casa precisando de reforma o mané faleceu numa tentativa absurda de transferência numa ambulância sem equipamentos nem profissionais preparados para um paciente idoso, partiu nos braços de zinha, uma despedida triste num natal qualquer, 2 semanas antes ainda o visitou no asilo que os irmão haviam colocado o pobre pai, ele não queria ficar lá zinha havia prometido a ele que os dois iriam morar juntos, mas não deu tempo, melhor investir na mãe que ainda está viva e precisa do mínimo de conforto na sua morada, seu mundo, o filho que ficou com dinheiro do mané da venda de uma casinha simples que sinhá tinha comprado a meio com mané pai, não gostou da ideia, mas não teve opção, vermelho feito pimentão, com vontade de gritar aceitou calado, desceu quadrado, ficou armado e inflamado.

Narizes torcidos, dedos apontados, casa com alagamento, ratos, sujeira, problemas enfrentados com humildade e bravura, zinha e sua princesa, no caminho escuro o cão de rua era o guardião, só iam dormi depois de alimentar o amigão que todos os dias acompanhava as duas na volta da faculdade na rua escura recheada de maldades escondidas por traz das arvores, medos enfrentados, venceram as duas, a princesa cresceu, criou asas foi escrever sua história, zinha ficou, um porto seguro é preciso e ali apesar das caras feias era família.

provou ter coragem, resiliência trabalhava, bancava sua ração, acreditou que havia conquistado a confiança e respeito dos seus, mas não foi bem assim, deixaram clara a maldade, a covardia, inveja e recalque aflorar sem nenhum pudor, o pai teve seus últimos dias em um asilo dividindo quarto com outra pessoa que escutava seus puns e via seus membros, o que era uma tortura pra ele, a mãe se tornou refém de três dos irmãos, principalmente um que deixou claro a intenção, zinha podia atrapalhar a venda da casa da mãe quando a mesma morrer, como se a morte chegasse só pra quem é velho, magoada e de cabeça baixa saiu, precisa caminhar pensar, no sinal fechado um caminhão parado zinha Leu uma frase

Se você é membro de uma família doente, você não é membro. É um sequestrado. O que existe, não é amor. É Síndrome de Estocolmo. Liberte-se!

Leticia Bergallo

Zinha levantou a cabeça retornou a casa, olhou nos olhos de sua mãe que já estava recuperada da cirurgia que havia sido submetida por ter quebrado o fêmur, para a tristeza de quem contava com sua partida e perguntou.

- A senhora vai ficar bem com seu filho e sua nora?

- Sim aqui é minha casa, fico preocupada e com saudades da minha neta, seus irmãos me tratam bem, suas irmãs também, vou ficar bem.

-Se um dia a senhora precisar me ligue, peça um vizinho pra ligar e eu venho correndo, conte sempre comigo. Vou para perto da sua neta, fique bem.

Deu um abraço bem apertado na sua mãe,

Pegou sua viola enviou na sacola e deu no pé, deitou o cabelo, foi cuidar da sua história, zinha não precisava mais provar nada, sua disputa agora era com si mesma, orgulhosa de si, vestiu o melhor sorriso, encheu sua mochila com as melhores lembranças, sentimentos e seguiu.

Família é importante, mas irmãos não são pequenos para sempre, cada um tem uma história uma filosofia de vida, o ideal é que soubessem compartilhar vitórias, mas sempre tem os que querem passar o resto da vida disputando colo, competência, na vida temos amigos irmãos e irmão que são meros colegas, a vida segue seu curso, é natural. Evoluir é preciso.