Anosmia

O velho Fortunato fora visitar a mulher no hospital. Quarto particular, que roubara ao homem por muitos anos boa parte do salário. Já se informara com os enfermeiros, e tudo estava bem com ela. Entrou feliz no quarto. Levava frutas. Dona Guilhermina, mal o homem chegou, olhou-o espantada e reprovativa, mas nada disse, e ele – tamanha era a alegria pela melhora da mulher – não se deu conta de que sua chegada incomodara não só a ela, mas também a uma outra senhora que lhe fazia a gentileza da visita. Fortunato exalava forte cheiro de urina. Visita rápida, que a vida seguia, e o velho tinha de retornar a casa para preparar a volta da querida companheira. Guilhermina ouviu da amiga que ela também sentira o cheiro forte. Curioso é que o marido, apesar dos quase oitenta, era um homem asseado e não tinha problemas urinários. Em casa, sempre tão zeloso, tão limpo e sair à rua daquele jeito. Que fiasco! Só não lhe disse para não envergonhá-lo na frente de outra pessoa... Já em casa, ao telefone, Fortunato ficou sabendo do incômodo que causara. Avaliou, então, olfativamente o casaco de algodão que vestira na visita. Inalou fortemente o ar e sentiu o cheiro de mijo. Não era o dono do crime. Cabia investigar. Investigação rápida. A criminosa estava à sua frente. A cachorra Branca, a quem ele julgava ter ensinado bons modos, subira no sofá e dera curso a suas necessidades sobre o casaco, que se empesteou.