UMA VOLTA AO PASSADO

UMA VOLTA AO PASSADO

Marcial Salaverry

Sempre ficam recordações da infância lembrando fases de nossa vida, e buscamos as origens, procurando explicações para os fatos que nos levaram a tomar determinadas atitudes que nos levaram por caminhos distantes de nossos sonhos...

Depois de longos anos afastado de minhas origens, ao saber que meu pai havia falecido, resolvi voltar ao passado, rever os fantasmas que me haviam afastado do convívio familiar, e ao entrar no trem que me levaria àquela pequena cidade onde vivera na minha infância, as imagens começaram a chegar à minha memória, me transportaram para aqueles tempos, revendo aquela casa enorme, imponente, com aquela fonte que era o dengo de meu pai, pois dizia que fora aquele Cupido com suas flechas certeiras que haviam provocado o amor entre meus pais. E eu ironicamente dizia como é que poderia aquele anjinho de mármore flechar alguma coisa, e sorria quando meu pai dizia que em tudo na vida era precisa saber usar a força do pensamento. E essa fonte, e o lago que se espraiava adiante, eram o ponto marcante de sua idéia de nunca permitir que sofressem qualquer modificação. A fonte e seu Cupído eram um verdadeiro tabu na obsessão com que meu pai fazia questão de marcar as origens de nossa família, que sempre entrava em choque com minha maneira de pensar.

A mansão familiar ocupava um amplo terreno, dominando o lago. Considerava o ponto ideal para um hotel de luxo, aproveitando o visual, a topografia do terreno. Seria realmente um grande sucesso. Poderia fazer fortuna com esse empreendimento. Já havia uma incorporadora que desejava executar a obra. Tentei convencer meu pai a fazê-lo. Negou-se peremptoriamente. Disse que jamais macularia as tradições familiares por causa de dinheiro, que jamais permitiria que a fonte fosse destruida, que suas lembranças fossem maculadas.

Jamais me esquecerei da última discussão, pois trocamos palavras amargas demais. Chamei-o de velho teimoso e retrógrado e coisas mais pesadas. Terminei dizendo que iria viver minha vida, e que não queria mais vê-lo, e mal sabia que não o veria mesmo.

Consegui relativo êxito em minhas tentativas, sempre tropeçando no que meu pai sempre me recriminava, ou seja minha precipitação, minha urgência em querer conseguir tudo, e muitas vezes me vi tentado a voltar, e reconhecer que ele estava certo. Mas a teimosia era hereditária. Recusava-me a admitir minha incapacidade para o enriquecimento que prometera a ele. Dissera que só voltaria após fazer fortuna. Rira quando ele disse que a fortuna estava ali, nas origens da família.

E agora, ao desembarcar na estação, e pegar o táxi que me levaria à mansão, que finalmente agora poderia vender e fazer o hotel de meus sonhos, e era só nisso que pensava. Mas agora, sentado onde costumava ficar com meu pai, em um outeiro um pouco afastado da mansão, local que propicia uma visão fantástica da Fonte do Amor de meu pai, fiquei absorto contemplando aquela imagem que me levava à infância, às conversas que sempre tivera com ele, e que tanta falta me fizeram depois, nos tropeços que dei pela vida afora.

O casarão imponente às margens daquele lago plácido, com sua Fonte do Amor, lembrava as tradições que meu pai tão ferrenhamente defendera, e naquele final de tarde, olhando a Fonte, "vi" Cupido lançando suas setas, e acertando na imagem que vi de meus pais entre as nuvens, e naquele instante, as águas como que pararam, ficaram totalmente imóveis, e vi então, o que fizera de minha vida, que a deixara de pernas para o ar, tentando provar alguma coisa, que agora me parecia totalmente irrelevante, e que por causa disso, dessas minhas idéias, tinha perdido anos de convivência com minha família.

Nada como a passagem do tempo, nada como a idade para amadurecer a alma, e essa imagem da Fonte do Amor, do amor de meus pais refletida no lago, fez-me ver o que fizera de minha vida, movido por uma ambição sem limites, e tomei então a decisão do que seria minha vida a partir daquele momento.

Iria voltar àquele vetusto casarão, trazer minha família e ensinar aos meus filhos toda a história familiar, procurando fazer com eles possam sentir o orgulho que eu sentia quando era criança, e que depois desprezei. Entendi que mesmo à distancia,com suas flechas certeiras, Cupido me fez encontrar o amor e que agora iria viver, conforme vi meu pai fazer. Uma volta às origens muitas vezes é o melhor para nossa vida, e fica a verdade que quase nunca a ambição nos traz felicidade, e que a vida sempre sabe nos mostrar o que pode ser bom para nossa alma.

Marcial Salaverry
Enviado por Marcial Salaverry em 30/07/2015
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