Business Man

(NOTA: devido ao computador que cria dificuldades na hora de acentuar, alguns acentos estarao em falta nesse texto. Grato)

É uma manha chuvosa. A família está tomando café. Pai, mae e filha.

A empregada, uma mulher gorda de meia-idade, está ali, em pé, num canto da copa, como convém a esse tipo de serviçal.

Sao variados os acecipes esparramados sobre a longa mesa. Apesar disso, ninguém come, apenas bebem; o pai, capuccino, a mae, chá preto, a filha, suco de açaí. A filha tem dezesseis anos e é bonita. Está usando seu uniforme escolar e mexendo no seu smartphone. A mae, metida em um chambre de inverno, lê a nova ediçao da Vogue, que chegara nessa mesma manha. O pai está absorto em si mesmo, folheando o jornal, sem nada ler verdadeiramente. A mulher já está acostumada com esse comportamento compenetrado e inquieto do marido - sabe que esses ensimesmamentos sao naturais na vida de um business man.

O telefone toca e a criada se retira. Volta um minuto depois com o telefone na mao:

- Sr. Julio, pode atender agora?

O pai- que a partir de agora será chamado de Sr. Julio- levanta, um tanto apressado, pega o telefone e vai atender na cozinha, onde pode falar sem ser ouvido. No outro lado da linha, uma voz abrejeirada, já conhecida.

- Dr. Julio, tive um imprevisto e vou precisar hoje mesmo de um novo recurso....

O Sr. Julio está agitado. Tenta conter o nervosismo. Estica o pescoço e observa as mulheres na cozinha. Ninguém presta atençao nele.

- Olha, hoje eu realmente nao posso providenciar esse recurso. Estive concedendo uma soma para parte do empreendimento na última sexta-feira. Pensei que tivéssemos fechado o negócio, feito um acordo ...

O homem, do outro lado da linha:

- Nao, Dr Julio. Lamento muito. Acabei percebendo que os valores eram insuficientes. Mas hoje podemos fechar o negócio. Palavra. Tem de ser hoje. Impreterivelmente hoje. Senao, vou ter de conceder aquelas informaçoes confidenciais e quebrar o sigilo contratual que havíamos estipulado. O senhor acredita que ainda fiquei com uma cópia do documento?..

- Nao!- diz Julio, em voz mais alta do que pretendia, chamando a atençao das mulheres na cozinha. Fez um sinal de cabeça para elas, como quem quer dizer que está tudo bem. - Essas informaçoes precisam ser retidas de qualquer forma!- Pausa. Julio olha-se num espelho a sua frente. É um homem alto, cabelos e olhos negros, magro, de abdômen teso, peitoral largo e bíceps definidos. Usa roupas de grife, relógio de ouro, perfume frances e os cambaus. Ainda nao chegou nos quarenta. Passa a mao nos cabelos, contemplando sua imagem no espelho. Depois, olha para sua linda família, imperturbável, distraída na mesa. Ganha coragem.

- Por volta das onze horas, naquele mesmo café que nos encontramos da última vez, pode ser?

A voz do outro lado gargalha. Entao responde:

- Isso aí Doutor. Nao se atrase.

*****************************

A chuva cessou, porém o céu continua cinza.

É uma rua deserta na periferia da cidade, onde antigamente funcionavam fábricas em sucessivos e enormes barracoes que agora estao sujos, vazios e depredados. O automóvel do Sr. Julio está parado diante da calçada. Ele acabou de chegar. No banco ao seu lado há uma pasta preta em couro. O rádio está ligado numa rádio de jazz, feita especialmente para pessoas refinadas como ele. "'Voce ouviu John Coltrane, com Blue Train. Vamos aos intervalos comerciais, e, na volta, voce ouve Chat Baker"', diz uma voz feminina. Julio desliga o rádio. Está esperando há apenas dois minutos e já está começando a ficar impaciente. Recosta-se no banco a fim de se acalmar e percebe, pelo retrovisor, que lá atrás, um sedan velho estaciona. Do carro sai um homem usando um jaquetao. Vagarosamente caminha direçao ao carro parado. "É ele, certamente", pensa Júlio, começando a se invadir de nervosismo.

- Bom dia, doutor, tudo em cima? - diz ele, maliciosamente, sorrindo com um ar de triunfante malevolência.

O Sr. Julio apanha a pasta ao seu lado e segura no colo por um momento.

- Qual é doutor, vamo logo com essa porra. Abra, quero ver...- diz o outro, sorrindo. O Sr. Julio obedece. Abre a pasta. De dentro dela puxa um revolver e meio segundo depois, dispara uma única vez. Um tiro certeiro e a queima roupa, bem no coracao do homem. A seguir, abre a porta e sai do carro, ainda com o revólver na mao. Revista o homem e retira um objeto pequeno do bolso do jaquetao, agora cheio de sangue. Guarda o objeto no bolso. Respira aliviado. Descarrega o revolver inteiro no homem já morto no chao - assim fica parecendo acerto entre gangues. Depois entra no carro, dá a partida e sai, arrancando em grande velocidade.

*******************************

É começo de tarde. O Sr. Júlio está no seu escritório, fazendo exatamente o que faz todos os dias durante a maior parte do tempo: nada. A secretária chama, pelo telefone:

- O seu cliente, o Doutor Cláudio já está aqui. Mando entrar?

Ele responde que sim. Ajeita a gravata no pescoço, levanta da poltrona e vai até a porta receber o convidado. O Dr. Cláudio entra. O Dr. Julio aperta a mao do Dr. Cláudio. Aproximam seus rostos, sorridentes. Dao um longo beijo molhado e lascivo, mexendo os lábios e movendo a língua freneticamente. Afastam os rostos. O Sr. Julio retira um objeto do bolso da camisa e o suspende no ar, contentíssimo. O Dr. Cláudio solta uma gargalhada de cumplicidade. Entendeu tudo. Nao foi dessa vez. Estavam salvos.

O senhor Julio beija o Dr. Claudio, depois, passa a chave na porta. Entao, finalmente começam a se despir.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 27/07/2015
Reeditado em 27/07/2015
Código do texto: T5325381
Classificação de conteúdo: seguro