CHANO

Poucos animais me comoveram tanto quanto um gato preto que um certo dia apareceu lá em casa. Lembro-me muito bem do momento em que chegou, miando na porta da cozinha. Sinceramente, senti pena dele como se estivesse assistindo a uma cena de meninos famintos na periferia da cidade.

“Miau, miau, miau...”

Essa era a sua linguagem, a sua arma para manifestar necessidade, dor e até mesmo prazer.

De uma hora para outra, Chano passou a compor minha família que se resume a mim e a minha mulher. Aliás, por mim o gato não teria ficado. Teria outro destino em outra casa ou morrido sem teto.

Minha mulher foi a grande arquiteta da sobrevivência do gato. Deu-lhe abrigo e alimentação. Batizou-o com o nome de Chano.

Agora, o gato, transformado, nem parece aquele animal faminto. Está gordo, peludo, alegre e, sobretudo, comilão. Não pode ouvir um bater de prato que corre para a cozinha. De manhã, quando se abre a porta, eis que ele entra correndo para a cozinha, saudando-nos com o novo dia.

Gosta de passar o rabo nas pernas das pessoas, não sei se por afeto ou necessidade de chamar a atenção. Não deixa ninguém sossegado quando estamos comendo. Um pedaço de carne serve para nos deixar tranquilos. Não come arroz nem verdura, mas adora comer ossos de galinha.

Muitas vezes é surpreendido na cama do casal, dormindo. Temos até encontrado cocô de Chano no colchão.

Como os outros seus semelhantes tem uma forma original de tomar banho. Detesta água. Banha passando a língua no corpo.

Sente prazer em ficar sob os raios de sol morno às primeiras horas da manhã, com as patas levantadas para cima. Ou em posição de sentido, sustentado nas patas traseiras. Nessa postura, medita como gente grande.

Chano tem seus instantes de recolhimento. Dorme o dia e à noite busca os mistérios da natureza, fora de casa. Aí é que revela seu lado particular de animal.

Os olhos dos gatos é algo fenomenal. Mudam de cor misteriosamente. As pupilas mudam de tamanho de acordo com a luz do dia e da noite. Os gatos são seres privilegiados. São os grandes visionários da noite.

Descobri porque eu e minha mulher temos um carinho especial por Chano. Somos um casal sem filhos. Necessitamos de transferir o nosso afeto para alguma coisa. E o Chano foi a alternativa.

Se tivéssemos filhos, talvez, o gato ficasse em segundo plano em nosso mundo afetivo. Quem sabe, nossos filhos seriam os seus melhores amigos.

Chano é inocente como as crianças. Desconhece porque o amamos.

Nesse instante está cochilando nas penas de minha mulher, como se fosse um dos filhos que não tivemos.

samuel filho
Enviado por samuel filho em 23/07/2015
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