Ascanthopédia - Parte 3 - Sombras do Jardim

Sombras do Jardim

( Um jardim assombrado jaz atrás do castelo, e nos seus muitos caminhos obscuros, um leva à verdade)

Para alcançar essa campina, era necessário atravessar o grande jardim atrás do castelo. O Jardim que já houvera sido o orgulho daquele lugar. Considerado belo, num lugar onde só havia extrema beleza. Nada, a ele, se podia comparar.

Atrás de seus muros de metal, caprichosamente retorcidos em formas floreadas, jazia uma imensa área verde cortada por passarelas, estradas e pontes, que iam e vinham em léguas imensuráveis, visitando árvores, plantas e arbustos que margeavam lagos e fontes. Um parque que um dia atraiu até ali milhares de pessoas de todas as partes de Ascantha.

Dentro de Nubelar poderiam ter sido construídas cidades inteiras, que ainda assim ficariam perdidas entre a sua vegetação exuberante. Mas ele estava abandonado há tempos... Desde que a sua rainha se suicidara dentro dele. Jamais fora aberto de novo. E rumores de coisas inomináveis que aconteciam lá dentro espalharam-se pelo mundo. Dois motivos suficientes para manter Enki-du fora dele. Mas naquele dia ele resolveu enfrentá-lo, ou jamais chegaria até a campina.

O que havia sido belo um dia tornou-se sombrio, obscuro e impotente. Nubelar não era apenas imenso, mas intimidador, mesmo sem o peso das histórias que se contavam sobre ele. Plantas e árvores imensas subiam céu afora como gigantes, e galhos e raízes retorcidas saltavam do chão para foras das grades do jardim. A vegetação abandonada cresceu desordenada, oprimindo tudo ao redor, criando redomas de escuridão e frio, onde o vento soprava em sussurros e assovios canções estranhas, e levava consigo o cheiro de mato e ervas por entre as folhas. Não se ousava falar, mas Nubelar tornara-se um cemitério. E seria por ele que Enki-du começaria a sua jornada.

Num porão escuro do palácio, numa enorme sala onde milhares, quiçá milhões de chaves estavam presas às paredes, uma peculiar e dourada delas brilhava, apesar da poeira de anos ingratos. Era grande e rebuscada, num brilho quase próprio, espiritual, de um dourado esmaecido e luminoso. Uma pedra azul dividia espaço com figuras floreadas, firmemente entalhadas e forjadas no metal. Era a chave de Nubelar, quando Nubelar ainda se chamava Opus, e pouco havia de razões para chamá-lo de nubelar.

Quando Enki-du a retirou da parede, com as suas mãos trêmulas de menino e sentindo o peso absurdo da chave, ela deixou na parede a sua imagem impressa na poeira, como o vestígio de uma alma.

Ele olhou para ela demoradamente, como se ainda estivesse decidindo o que fazer. Ele não se lembrava de sua mãe, era apenas um bebê quando ela foi encontrada entre os galhos no jardim, quase não tinha importância para ele. Mas havia regras que ele não poderia quebrar, e ele respeitava aquele jardim. Via-o todos os dias de sua janela, aquelas árvores ameaçadoras dançando com o vento, o ar gelado que de lá subia e a penumbra que jamais o abandonava. Ele não conhecera os dias de glória de Opus, ali para ele sempre fora Nubelar, um cemitério. E ele estava disposto a entrar nele, naquele dia.

London
Enviado por London em 16/07/2015
Reeditado em 19/07/2017
Código do texto: T5312946
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