836-A SALA DE VISITAS DE MADRINHA ZILÁ-Bom Humor gaúcho

Dedico ao Vicente,meu genro,

Que me contou esta história

— Gonçalo, meu afilhado! Que surpresa! Vamos entrando!

Dom Rodrigo desceu as escadas do alpendre para o jardim e veio abrir o portão de ferro brilhante com a pintura nova.

—Bom dia, padrinho. — Eu disse, enquanto nos abraçávamos como há muito não o fazíamos.

— Entonces, guri, como está? Você parece que cresceu desde a última vez que te vi.

— Cresci, sim, na barriga. E o senhor? Continua o mesmo.

Braços nos ombros, subimos a escada. No topo, madrinha Zilá nos aguardava, mãos na cintura, com um ar decidido e autoritário, que lhe era próprio.

— Mas, como estás, Gonçalito? Sempre o mesmo!

Abracei minha madrinha, que me apertou forte, a sua maneira de mulher criada nas lides da estância.

— Senta, vamos repartir o mate.

Sentamos nas confortáveis cadeiras espreguiçadeiras do alpendre e saboreando o chimarrão, fomos nos atualizando e matando a saudade. Já fazia uns bons dez anos que não visitava o padrinho.

— Mas então, de casa nova? — perguntei, ao admirar o alpendre com novos móveis, vasos de avencas pendentes entre as colunas, e o piso de pedra nobre.

— Mas que nada! Apenas uma boa reforma, que o velho casarão já pedia há muito tempo. Zilá já reclamava das goteiras e...

— Mas não exageres, Rodrigo. A reforma ficou muito boa, Rodrigo fez tudo o que pedi.

Madrinha Zeni foi para dentro, a mandar preparar o almoço, para o qual fui convidado.

Conversamos mais meia hora no alpendre. Meu padrinho era um homem de ação, estancieiro bem sucedido, tinha milhares de cabeça de gado, bons cavalos e criava carneiros. O sucesso, contudo, não lhe tirava a simplicidade. Tinha uma boa conversa e extraordinário senso de humor.

— Bem, mas vamos passar aqui pra sala, está mais fresco e vamos tomar um aperitivo. Tenho uma garrafa de graspa da fronteira que é de primeira.

Madrinha Zeni apareceu subitamente na porta de entrada para sala, bloqueando-a com seu corpo roliço e dizendo:

— Vocês vão para a cozinha pela passagem do lado. Com estas botas, Rodrigo, você vai arranhar o sinteco da sala.

— Então sirvo aqui no alpendre a graspa. Mande a guria da cozinha trazer os copos.

Bebemos o aperitivo com vagar, trocando conversa.

— Então, tu ainda sabes montar?

— Mas, claro, padrinho, essas coisas da campanha a gente não se esquece nunca.

— Tenho ai umas esporas novas, vamos ver se você ainda sabe usar.

Estranhei a proposta de Dom Rodrigo, que desapareceu pela porta lateral e voltou com um par de esporas douradas, flamantes, como se ainda não tivessem sido usadas.

— Vamos, calce. — Mandou o padrinho.

Calcei com facilidade as esporas que, sobre minhas botas ajustaram-se com perfeição.

— Agora, venha cá, me disse, entrando na sala cujo assoalho recém sintecado parecia ser o luxo da madrinha.

Entrei, protestando:

— Mas a madrinha disse...

— Você ainda sabe dançar a chimarrita?

— Sim, mas...

— Pois então vamos dançar!

Ele mesmo começou a dança, arrastando as botas e as rosetas riscando o chão. Estalando os dedos, dava o ritmo da dança. Fiquei parado, hesitante, mas ele insistiu.

— Parece que tu te esqueceste dos passos?

Comecei timidamente, com cuidado, para não arranhar o assoalho, que já mostrava alguns riscos das esporas do padrinho.

— Mas dance direito, tchê. Estás com medo de que te abrace como se foras uma chinita?

Então, dancei como devia. Claro, as esporas que eu usava também deixavam fortes marcas no chão.

Depois de alguns minutos, o padrinho encerrou a dança e voltamos ao alpendre. Tirei minhas botas e acabei com meu aperitivo.

Madrinha Zilá chegou novamente para avisar:

— Vamos almoçar. Vocês passem pelo lado, para não riscar o sinteco da sala.

O padrinho me pegou pelo braço, me deu uma piscadela, dizendo à madrinha:

— Agora podemos passar pela sala, pois o chão já está todo riscado.

E entramos, passando pela sala, ante o olhar esbugalhado e assustado de madrinha Zilá, fixo no antes impecavelmente liso assoalho.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 7 de abril de 2014.

Conto # 836 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 07/07/2015
Reeditado em 07/07/2015
Código do texto: T5302673
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