CÁRCERE [Capítulo I - Fragmento]

"...

Recém chegado a Santa Ana, cidade para onde se mudara a fim de esquecer o passado, ele havia conseguido emprego como fiscal de renda em uma seguradora. Era mal-remunerado e maçante, totalmente oposto ao seu trabalho anterior. Mas ele preferia assim. Não queria muitos afazeres, não queria dinheiro. Tinha apenas o suficiente para continuar vivendo e alimentando seu “vício controlado” por álcool, como costumava dizer.

Aquele fim de tarde de outono propiciava uma iluminação cinzenta, que não contribuía em nada para fazer seu cotidiano parecer sequer um pouco menos pesado. Ele saiu do escritório e dirigiu-se ao elevador, passando pelo majestoso corredor revestido em madeira. À sua frente, um colega de trabalho derrubou espalhafatosamente a pilha de documentos que carregava. O homem lhe olhou com um ar um tanto sem graça, mas acolhedor. Sua pele era morena, barba volumosa, mas bem cuidada. A paz em seus olhos definitivamente não se encaixava no estresse do ambiente.

Impedido de pegar o elevador pela bagunça à sua frente, Lucas viu a porta se fechar. Apesar do fato de que pressa era a última coisa que tinha naquele momento, como andava impaciente com tudo nos últimos tempos, decidiu não ficar esperando e tomou as escadas. A imagem daquele homem não lhe saiu da cabeça, contudo.

Descendo os degraus, cruzou com um motoqueiro que subia apressado para fazer um entrega. Por baixo do capacete apoiado sobre a cabeça, ele reclamou:

- Que loucura essa cidade, não? Melhor pensar num caminho alternativo para chegar em casa meu amigo, porque o trânsito aqui por perto está infernal.

Lucas seguiu, sem dar ouvidos. Afinal de contas, voltava sempre a pé do trabalho. Tentava exercitar as pernas o máximo possível, para evitar as dores. Ao chegar ao andar térreo do prédio, ele passou pelas amplas e imponentes portas de vidro, deteve os passos por um momento e, do alto de seus quase dois metros, olhou seu reflexo. Tensão e angústia repousavam em seus ombros e ao redor do pescoço que segurava o crachá onde se lia seu nome, Lucas Bent. Ele sempre fora naturalmente esguio, mas andava tão fino quanto a gilete que já não usava fazia alguns dias. O tom escuro da barba por fazer, embora pouco espessa, contrastava com a alvura de sua pele. A aparência descuidada denunciava sua desconsideração consigo mesmo. O modo como se sentia derrotado e infeliz, juntamente com seus óculos velhos, contrariavam sua jovem idade de trinta e poucos anos.

Mesmo tendo encerrado o expediente alguns segundos atrás, tudo que passava por sua mente era beber. De fato, naquele momento nada passava por sua mente além da idéia de ficar ébrio. Carregando sua maleta velha e surrada, que combinava com as roupas sociais um tanto largadas, resolveu parar num bar qualquer antes de voltar para sua nova velha casa, modesta e mal-cuidada.

..."

TRECHO DO LIVRO CÁRCERE, QUE SAI EM 2013!

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Gustavo Schaefer
Enviado por Gustavo Schaefer em 17/06/2007
Reeditado em 03/08/2012
Código do texto: T530032
Classificação de conteúdo: seguro
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