A última comunhão
Ela acariciava o rosto dele muito suavemente, quase sem tocar-lhe a pele. Apenas a aura era sentida pela ponta dos dedos dela, sobre o nariz, os lábios, a linha das sobrancelhas, a testa, o queixo - o que o fazia fechar os olhos e quase ressonar, envolto que estavam naquele clima de silêncio absoluto no qual as palavras, supérfluas, não fazem o menor sentido.
Então ela pediu-lhe um beijo, mas não era um pedido; ele escutou apenas o que seria a deixa (que ele sonhava partir dela) para iniciarem a alquimia. Para ela, era só uma licença poética, que a necessidade de sentir-lhe o gosto uma vez mais tornava quase uma súplica.
Os beijos eram mais que ternos, quase castos, de lábios que se tocam com reverência, resvalando-se como se pedissem permissão para que as línguas, vez por outra, pudessem se encontrar; e nesses encontros, incertos e delicados, a fruição cautelosa, segundo a segundo, milímetro a milímetro, da textura e da doce umidade das bocas que há minutos atrás combinavam a despedida.
E no crescer dos beijos, a paixão foi-se liberando aos poucos, e as mãos dele foram tocando o corpo dela delicadamente, enquanto ambos se desnudavam com vagar para que cada vez mais pudessem se expor à carícia recíproca. E assim acariciaram-se longamente, póro por póro, na completa extensão dos corpos nus e unidos, sentindo ambos em suas peles a pele do outro. Uma enorme comoção e um calor brando emanava deles, a mascarar o frio intenso daquela tarde chuvosa de outono.
No momento mais sublime, o significado maior da comunhão, quando ele disse em voz alta o nome dela – como se para ter certeza de que era ela, e não outra, que ele habitava naquele instante; como se para ouvir da própria boca o nome sussurrado tantas vezes no momento do prazer solitário, a imaginar o corpo que agora verdadeiramente envolvia o dele por completo. E ela, quando abriu os olhos e fitou os dele, respondendo com um gemido quase inaudível ao seu chamado – como se para certificar-se de que eram dele, e não de outro, os olhos do corpo que a possuia; olhos que a perseguiam por toda a parte, e pelos quais havia já vertido tantas lágrimas na certeza da ausência.
E uma última correu-lhe então, quando, após o prazer, sobreveio a certeza de que aquela, a primeira, seria também a última entrega, a última comunhão; depois de tantas despedidas, seria também aquela a derradeira. As reticências - três pontos que os acompanharam vida afora -, após os dois terem-se explicado e compreendido, haviam se tornado apenas um: o final, aquele necessário e urgente ponto final que traria, enfim, paz ao coração ferido de ambos...
...a mesma paz que, incoerentemente, eles desfrutavam agora, úmidos e aquecidos, abraçados sob os lençóis após a realização de um sonho muito antigo.