Ascanthopédia - Parte 1

Os muros da solidão

( Da origem da história, da explicação do muro, e do porquê do protagonista estar preso sem o saber )

Numa bucólica paisagem, seguindo por uma estrada muito longa que corta um próspero vale, surge um palácio que escapa à toda comparação e análise. Nada jamais fora visto de tão imenso e belo, era como se todas as realezas daquele mundo ali vivessem, e ali despejassem, todas as suas riquezas, criatividade e amor às coisas edificantes.

E por mais estranho que possas parecer, em toda aquela imensa ilha, apenas uma pequena cidade faz companhia ao grande palácio que coroa aquele horizonte. E um aventureiro, que por ventura queira por ali perambular, poderia passar anos de sua vida sem ver vivalma sequer, seja na cidade ou no castelo.

Isso, porque existe apenas um garoto e os seus poucos criados, vivendo dentro dos seus enormes muros. Já houve glória ali, um dia, e aquela ilha já fora cantada em prosa e em verso em todos os cantos daquele planeta, que chamarei aqui de Ascantha. Mas hoje há apenas solidão e esquecimento.

Ah... e quando os raios da aurora tocavam os topos mais

íngremes das montanhas, e tingiam-lhes as faces de rosa,

dourado e vermelho, era que a beleza de todo aquele lugar revelava-se sem pudor. Colinas e colinas insólitas seguiam depois do horizonte, cobertas de brumas suaves breves, desfazendo-se na distância; à medida que se misturavam às nuanças celestes. Mas, isso não era o suficiente para varrer a solidão de uma única alma, encerrada num mundo fantasma, por portões do mais puro ouro que se possa conceber. Um fio de ouro sim, tecido caprichosamente no tapete verde do vale.

O nome daquele garoto não importa agora. Porque nomes não são importantes, são apenas nomes, não traduzem verdadeiramente quem se é, ou quem se pensa ser. Mas por agora é necessário saber que ele se encontra de pé, olhando através da janela, uma das muitas, naquele palácio de sonhos, onde ele vive o pesadelo da solidão.

Daquela janela, ele vê um caminho de poeira erguer-se na estrada lá na frente. Uma solitária carruagem se aproxima, e ela não precisa de um animal para tracioná-la. Vem flutuando por si mesma, como se feita de mágica, e seria, para quem não compreendesse o seu intrincado mecanismo. Ela traz alguém importante, cujas bandeirolas tremulantes em estandarte sobre a carruagem conta pertencer à nobreza daquele mundo.

Depois de possivelmente atravessar oceanos e mares, veio ter ali, na ilha solitária e seu muro de ouro, atracando definitivamente na absurda escadaria do palácio. Dela desceu uma jovem de beleza singular, tão bela que não seria justo tentar reduzi-la aqui em palavras. Os seus cabelos eram mais negros que o ônix de calcedônia, e de tão finíssimos e longos desciam até os seus calcanhares e lançavam-se indóceis contra o vento. Basta apenas saber que a sua beleza física não encontra reflexo em seu interior. E se por fora ela brilha, por dentro é tão escura quanto o poço mais escuro.

Mas a índole de Alakina poderá ser avaliada depois. Só é preciso saber, por agora, que sua família era nobre e riquíssima, mas não chegavam aos pés da do rapaz que a observava da janela. Só para entender, saibam que Alakina era uma princesa de uma região afastada, uma região entre centenas de regiões daquele mundo. Mas o menino na janela herdaria o planeta inteiro. Alakina estava destinada a ser rainha um dia, rainha de uma região qualquer que podemos chamar aqui, por comparação, de país. O menino na janela estava destinado a herdar Ascantha inteira. Ela era uma simples vassala dele.

E era justamente por isso, que uma vez por ano, ela fazia o descomunal esforço de deixar o seu luxo para trás e ir visitar o jovem príncipe, na esperança de que, talvez, pudesse vir a desposa-lo e tornar-se rainha, realizando assim, o seu obscuro desejo...

London
Enviado por London em 03/07/2015
Reeditado em 19/07/2017
Código do texto: T5298370
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