Passageira manhã.
Todas as manhãs eu tinha aquela missão: conseguir apanhar o ônibus das 06:10h.
Tarefa difícil dos alto de meus 17 anos principalmente porque, para cumprir o propósito era necessário acordar às 05:00h (mesmo tendo ido dormir depois da meia noite), sapecar banho e café da manhã e caminhar dois quilômetros até o ponto. Confesso que, apesar de cochilar algumas vezes em pé, só não dormia durante o trajeto pelo fato de raramente conseguir assento.
E foi assim sonolento que a repetição de uma cena me chamou atenção: aquela jovem solitária no banco da frente.
Cabelos castanhos, era de fato bonita mas, seu olhar tristonho parecia ver algo além dos óculos, da janela e do caminho. Talvez tivesse até um sorriso. Nunca conversava, lia um livro ou dormira durante a jornada. Parecia meditar. Estaria rezando? Com certeza não estava ouvindo músicas pois estava sem fones. A não ser que estivesse ouvindo algo tocando em seu pensamento.
E por falar nisso: o que ela estaria pensando?
Poderia estar pensando no trabalho enfadonho que teria durante o dia. Nesse arrastar do expediente, possivelmente tivesse que atender clientes em alguma loja, cada um deles com sua particularidade, preocupação e aborrecimentos. Metas de vendas, controle de estoque etc.
Não. Ela deveria ser recepcionista numa clínica de geriatria e passava as horas ouvindo histórias sobre aventuras e arrependimentos dos sexagenários. Assistia às mais incríveis competições entre simpáticas senhoras disputando quem tinha mais doenças, tomava mais remédios ou vivera mais tragédias.
Ou talvez ainda fosse uma professora a caminho da escola de encontro marcado com 40 ferinhas indomáveis para uma longa e interminável manhã.
De alguma forma, esse jogo mental de tentar adivinhar algo sobre a moça misteriosa fazia a viagem parecer abreviada e longo a jovem se levantaria para descer na praça do centro da cidade.
Assim seguiam os dias.
Quão interessantes podem parecer as pessoas que não conhecemos.