Afinal, um fim
Clarice estava pálida. Com o rosto voltado para a janela, tentava segurar as lágrimas que insistiam em cair. Enquanto isso, Paulo arrumava as malas no quarto. Metodicamente, ele colocava as cuecas separadas das meias e as camisas junto com as gravatas, como se esse método tornasse as coisas mais digeríveis. Ele não chorava, mas seu coração estava apertado. Na sala, Ricardo manuseava um brinquedo. Um silêncio pesado enchia os ambientes, apesar da televisão estar ligada, o rádio cantarolar um tango na cozinha e o videogame de Rick continuar fazendo um barulho esquisito. De algum lugar da dispensa, a empregada, como se nada estivesse acontecendo de estranho, procurava o que preparar para o almoço. Também o passarinho, com sua inocência bestial, piava alegremente na varanda do apartamento que dava para o mar. Uma linda vista que servira de cenário para vigílias de amor e brigas quase sangrentas, não necessariamente nessa ordem. Depois de recolher todos os seus pertences que poderiam caber em uma mala de mão, o homem, com ar de vencido, com pena de si mesmo, com raiva de sua fraqueza, se conduziu para a sala, onde sua solene esposa ou ex, esperava por um adeus entre perdões impossíveis e palavras entrecortadas. Nada disso aconteceu. Ambos estavam magoados demais para dizer qualquer coisa. Ela, no entanto, ainda conseguira balbuciar um adeus sofrido, que ele recebera como um último suspiro do amor que sentiam um pelo outro, apesar dos pesares. Ricardo, com os olhos que herdara do pai e a beleza passiva que era da mãe, se dividia entre o jogo, o desejo de consolar a mãe, que agora chorava desesperadamente e a inquietação de não entender porque os adultos tinham que se martirizar tanto, se machucar tanto, se ferir tanto e, no entanto, se achar superiores a qualquer espécie simplesmente por raciocinar. Paulo parou na porta, com a mão na maçaneta e a vontade de voltar, de tentar um último acordo. Mas Clarice não ia ceder, não perdoaria, não abriria mão de sua dignidade, não assim, não depois de tudo que ele fez e disse, ainda que da boca para fora. Olhou o filho outra vez, dando-lhe um último olhar antes de sair pela porta e suspirou. Depois daquilo, só saudade ficaria. O passarinho cantou alto, Clarice chorou mais alto ainda e Ricardo ficou impotente. Era o fim, afinal...