Quase meiga

Nossa ruela então, descalçada sem ser carmelita, era curtita, mas tinha, se muito, uma meia dúzia de casas, e uns dois ou três postes de pau, de luz. Era o fim da década dos cinquenta, ou comecim da dos sessenta. O que predominavam eram lotes baldios, mas sem a entulheira de hoje em dia. Algumas árvores frutíferas, já eradas, e o matagal fino, no meio e nas beiradas.

Fazer uma incursão por um lote daqueles, num meio de tarde acelerava o coração, tanto que havia de possibilidades de atração, alguma descoberta, ainda que incerta.

E foi numa dessas que nos demos de cara com aquela figura rara: o negro Aristeu, com chapéu em frangalhos, facão a mão, catando lenha para a mãe, Dona Sinhana do Salvador, que nossas tias diziam, viera da escravidão. Já o filho, viera pelos fundos de seu quintalzinho, onde vicejavam bananeiras e outras touceiras. Passara por um buraco da cerca, que se havia, quase a gente não a via. Mas era a via.

E estávamos ali, face a face, Bebel, eu, Beu e o Teu. Um diálogo impossível se iniciou. Teu, cabisbaixo, entretido no ofício, só a responder se limitou. Nada perguntou.

Indagado sobre sua idade, contudo, foi rápido na resposta, que articulou melhor do que todas as outras que viriam, ainda que só balbuciada:

- Farta um pá quarenta.

No mais, brandiu o facão, mas desmatou com moderação. E pra nossa consciência preservacional ainda tão leiga, sua caradura, suada, vergastada, era quase meiga.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/06/2015
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