Nuvens negras
Nuvens negras
1975. Está muito frio, mas parece que ninguém percebe, tal a euforia que domina todo aquele povo no vale do Anhangabaú. Com direito a discurso de Presidente da República, desfile militar, demonstração de força no dia sete de setembro. Eu te amo meu Brasil eu te amo...
No alto do vale, ao lado de um famoso hotel, fico com meu binóculo observando os movimentos próximos ao palanque das autoridades. Tudo relativamente calmo, não fossem as orientações recebidas na noite anterior.
Sua excelência o General dizia sobre pesadas nuvens que pairavam sob o céu da nação. Movimentos subversivos, ações terroristas e os porões do departamento cada vez mais lotados.Fim de festa. Reúno-me com demais membros do corpo de segurança e sigo para o Hilton Palace, acompanhando o presidente. No radio da viatura uma emissora transmite músicas de ufanismo e coisas do gênero, já é hora do almoço, recebo minha ração e me acomodo para desfrutá-la. Pão e mortadela com uma garrafa de caçulinha. Sem paz, nervosamente fico apertando o cabo da minha pistola 45 a cada movimento suspeito.
Paranóia pura. Na semana passada perdi um amigo, irmão de arma, na Lapa. Era parte de uma equipe encarregada de desmontar um aparelho, assim se chamava células subversivas. O serviço reservado vinha a tempos observando aquele sobrado, em rua calma até lhes incumbir da invasão e prisão dos ocupantes. Teve intenso tiroteio, Demócrito foi alvejado e levado para o HG ainda com vida. As prisões foram efetuadas sem nenhuma baixa do oculto inimigo.
Naquela noite eu estava de serviço e podia ouvir o lamento de prisioneiros, com palavras de ordem sobre uma Pátria livre. Naquela noite teve um camarada que se matou na cela onde o colocamos, após o incidente na Lapa. Fico lá pensando nestas coisas e tentando entender o que estou fazendo da minha vida. Lembro-me de uma música de Geraldo Vandré que explicava minha situação. De morrer e lutar sem razão.
E a Pátria Mãe dormia...