Rei do Poleiro
O REI DO POLEIRO
( Fábula )
Ela era toda avantajada. Do agigantado pescoço à pomposa sambiquira, tudo conspirava para que ela fosse considerada a princesinha da predileção do rei. Afora estes adjetivos externos que encantava o rei, uma qualidade incomum, colocava Marivalda na poli position das demais galináceas do terreiro: tinha uma cloaca com a espessura de fazer inveja às peruas.
A partir dessas qualidades diferenciadas e convicta como se pertencesse ao mundo dos humanos, Marivalda começou a questionar sobre a possibilidade de se permitir produzir ovos com o mesmo tamanho e qualidade a partir da inseminação por um outro macho que não fosse o Golias, o rei do terreiro.
De crista exuberante, uma plumagem vermelho-azulado, potentes esporões e um afiadíssimo bico calcificado, faziam de Golias um protótipo da beleza galinácea. Além disso, seu insaciável órgão sexual, longo, grosso e de temperatura descomunal, extasiava com dor e prazer, a sambiquira de todas as fêmeas. Esse apetrechos orgulhavam Golias e contribuíram para que ele se tornasse um tirano.
Todos os dias era tudo sempre igual. Mal o sol despontava, Golias acordava a todos, machos e fêmeas, com seu estrondoso canto. Como num ritual, as fêmeas ordeiras e submissas desciam uma a uma do poleiro e lá embaixo, Golias cobria a todas e, coitado de qualquer outro galo que se aproximasse de uma franga ou de uma galinha. O pau comia solto e na comunidade não se discutia as razões da violência do rei. Todos temiam Golias. A lei era ele.
Pôr ovos era o desígnio natural de todas as fêmeas. Isto não se discutia, mas gerar ovos graças à ação de um macho só, começou a intrigar Marivalda. Será que um outro galo, geraria nela ovos tão grandes como habitualmente botava? Inocente, não sabia que os ovos bem dotados de sua lavra, nada tinham a ver com o desempenho sexual de Golias. Qualquer outro galo faria a mesma coisa. O segredo estava nela, mas ela não sabia e, como quando não se sabe e se tem um mínimo de inteligência, se pergunta. Era isso que Marivalda estava a fazer – se perguntando. Aí, ela resolveu agir dando segmento ao seu pensar.
Como de praxe, Golias batia as asas e cantava saudando o novo dia, dando sinais de que novamente estava disposto a usar todas as sambiquiras. Lentamente, as amigas de Marivalda desciam do poleiro e Golias, crel. Cobriu a todas, menos Marivalda que não desceu. Golias estranhou o comportamento da princesa.
- Qual é a tua Marivalda?
- Não entendi a pergunta.
- Por que não desce?
- Não estou legal.
- Está me enganando?
- Não, já falei – eu não estou legal e espero que me respeite.
- O que? Respeito? Desça que você vai ver o respeito. Estou com o pau afiado e eu vou lhe ensinar a fazer jangadas. Não tenho pressa. Daqui para anoitecer você desce daí, aí eu lhe pego. Fique certa disso.
Marivalda ouviu e pensou: - tenho que mudar de estratégia. Vou descer e me submeter a esse tirano. Ele pode até esfolar minha sambiquira, mas hoje ele vai dormir cedo, daí então, terei tempo de arquitetar uma rebelião. Ele vai ver quem é mais forte!
Desceu do poleiro. Levantou as asas, balançou o traseiro e esperou o furioso Golias, com a sambiquira umedecida.
Feroz, Golias pulou sobre seu corpo com violenta gana. Introduziu todo o seu órgão genital pensando que era o máximo. Ao retirar o órgão, Marivalda contraiu a sambiquira. No entendimento dos galináceos, significava que Marivalda queria mais e galináceo que se preza e sendo o rei, não recua diante de desafios da parceira. Passados alguns minutos, Golias rodeou Marivalda e crel. Novamente ela contraiu a sambiquira. De trepada em trepada e de contração em contração, foram quatorze trepadas. Não foram quinze porque o rei não resistiu, mas protestou:
Qual é a tua Marivalda?
- Eu adoro você, apesar de seu membro ser uma espora. Amanhã eu quero ser a primeira, já que você ficou me devendo uma. Uma não, diversas. Hoje eu estou possuída pelo demônio e não tem galo no mundo que me satisfaça. Vou procurar outro agora mesmo.
- Não faça isso. Vai pegar mal na comunidade e eu posso perder a soberania.
- Então decrete que eu sou a rainha.
- O que? Isso é coisa de puta. Eu não admito ser peitado dessa maneira e fique sabendo que se você me trair eu esporo-lhe a sambiquira.
- Esporada ela já está e é exatamente por isso que eu estou desejando um macho menos truculento.
- Vamos encerrar essa conversa. Não quero mais ouvir você. Vou descansar. Hoje bati meu recorde.
- Vá descansar, se prepare para amanhã e sossegue – eu não vou traí-lo.
Golias acomodou-se debaixo de um mofumbo e dormiu.
Marivalda chamou todas as outras galinhas e frangas e pôs-se a conversar.
- Como estão as sambiquiras de vocês?
- Esfoladas por esse bruto, respondeu Marieta, a charmosa morena do plantel.
- Hoje tive minha primeira experiência com esse animal. Estou com dificuldades para andar. Fui estuprada. Minha sambiquira não para de sangrar e me desespero só em pensar que amanhã ele vai querer novamente. Não sei se vou suportar – palavras de Ofélia.
- Cadê a comadre Zefinha? – perguntou Marivalda.
- Não sabe não? Enquanto você ficou no poleiro, a coitada foi abordada pelo tirano. Ela se negou a servi-lo, pois está no puerpério. Nem isso ele respeitou. Deu-lhe uma esporada na sambiquira provocando-lhe uma hemorragia. Está acamada. Não sei se escapa. Bradou a branquela Joyce.
Marivalda pediu a palavra:
- Esta situação está ficando incontrolável. Vamos ter que reagir. Não é possível ficarmos todas a depender desse infeliz para produzirmos nossos ovos. Já que aqui não tem um macho com o porte físico dele para enfrentá-lo, vamos armar uma estratégia e destronar esse tirano. Tenho uma dúvida somente: será que outro galo me fará botar ovos grandes como sempre tenho feito?
- A gente só sabe se testar um outro galo – asseverou Teresa.
- Isso é verdade. Façamos o seguinte: amanhã quando ele bater asas e descer do poleiro e cantando der a ordem unida, a gente pula todas de uma só vez. Somos trinta e duas. Ele tem uma conta para acertar comigo. Eu o atraio e vocês se espalham. Aqui tem quatro galos inclusive esse monstro. Os outros três vivem à mercê dos descuidos sexuais de Golias. Eu vou segurá-lo o máximo que eu puder. Sugiro, inclusive, que Ofélia procure logo o Garibaldi. Ele parece não ser bem dotado e pode facilitar as coisas para você. De qualquer jeito, você não vai escapar. Sendo assim...
A idéia é boa Marivalda. Tudo mundo concorda? Perguntou Cornélia.
Pompéia, a intelectual do terreiro, batizou a operação de Rebelião no Reino e sugeriu um slogan: Unidas venceremos!
Amanheceu o dia. Refeito, Golias deu ordem unida. As galinhas e frangas e entreolharam-se. Conforme combinado pularam todas de uma só vez. Marivalda sacudiu o traseiro na frente de Golias.
- Quero ser a primeira. Lembre-se que está me devendo.
- Você não. Vai ser outra.
- Protesto! Isto é discriminação. No reino isso nunca aconteceu.
- Vem cá então, prepara a sambiqueira que lá vai ferro.
Furioso, Golias montou-se em cima de Marivalda. Esperta e sabendo muito bem o que tinha de fazer, Marivalda, novamente reuniu todas as suas forças internas e contraiu a sambiquira do modo a provocar um dor intensa no órgão genital do rei Golias. Ela queria mais e ele entendia.
- Olhe aqui, sua cadela, não fresque comigo! Eu esporo-lhe a sambiquira.
- Cadela não, eu sou uma galinha. Respeite-me e deixe de ser imbecil, veja o que está acontecendo ao seu redor.
Golias olhou de lado e viu seus três concorrentes a se fartarem nas sambiquiras das outras galinhas.
Aquelas cenas provocaram-lhe os mais perversos dos instintos e partiu cego de ódio para cima do Dorival que encharcava a sambiquira de Rivalda. Possesso pelo ódio, deu uma esporada tão forte na coxa de Dorival que lhe abriu um talho, prostando-o no chão. Inconformado, pisoteou-lhe, quebrando-lhe um dos dedos. O ferimento sarou tempos depois, mas o dedo ficou duro. Na redondeza da comunidade não tinha nenhum ortopedista para lhe acudir. Por isso, ganhou o apelido de “O Manco”.
Na redondeza, no mesmo dia, não se falava em outra coisa senão da rebelião no Reino de Golias. A situação ficou insustentável e obrigou Golias convocar uma reunião extraordinária para disciplinar a galera.
Chamou em particular quem desejou ser a rainha, Marivalda e autoritário, começou a falar:
- Olha aqui sua puta, você é a responsável por toda essa confusão. Nunca mais me terás.
- Não vou morrer por isso.
- Deixe de ser insolente. Quero distender, mas não estou disposto a tolerar sua indisciplina. Escute-me e preste muita atenção.
- Fale, meu rei.
- Diga para as outras vadias que quero abrir mão de algumas das minhas regalias, mas não quero perder a majestade. Organize uma pauta de reivindicações e traga-me para que eu analise e delibere.
- Não precisa de pauta, meu rei. Aqui e agora, posso lhe dizer o que todas queremos.
- O que é então?
- Liberdade sexual.
- Era só o que me faltava. Vocês querem trepar com todos os galos, é isso?
- Isso mesmo, assim como você trepa com todas as galinhas.
- Vocês vão se arrepender. Vão pôr ovos mirrados. Essa rapaziada que está aí, não tem competência para gerar ovos sadios, grandes e fortes, assim como eu tenho.
- Temos dúvidas sobre essa sua tese, mesmo assim, vou submetê-la a apreciação das outras e ouvi-las sobre algo mais que possam querer. Amanhã, após o novo levante, eu converso com você.
- Vai haver outra rebelião?
- Claro, meu rei. A turma lambeu a rapadura e gostou do doce. Segure a barra.
No dia seguinte, somente o manco não desfrutou do banquete de sambiquira. Rosnando, o rei Golias contentou-se com desfrute de poucas, posto que seu órgão genital estava ainda dolorido em função das violentas contrações da sambiquira de Marivalda.
Antes que o dia terminasse, Marivalda novamente reuniu todas as fêmeas da comunidade e, com eloqüência, apresentou ao rei Golias, as seguintes proposições;
- Meu rei, falo em nome de todas. Achamos que o tamanho de nossos ovos depende tão somente da cloaca de cada uma. Essa conclusão depende de um experimento que vamos iniciar a partir de amanhã. Fui escolhida para este teste. Expelirei todos os ovos que estão gerados em minhas entranhas. Irei chocá-los. Após o choco, iniciarei uma nova postura, porem com ovos gerados por todos os outros galos, inclusive você, se quiser. Daí, teremos a certeza se é você o responsável pela grandeza dos ovos que ponho. Em nome da ciência, fazemos este apelo. Deixe-nos testar.
A comunidade feminina protesta contra sua maneira truculenta de fazer amor. Exigimos respeito às nossas indisponibilidades. Afinal, o mundo feminino é só nosso e não admitimos sua desastrada interferência. Seu órgão sexual nos causa mais dor do que prazer. Todas nós estamos com nossas sambiquiras aos frangalhos e não merecemos sequer uma palavra de carinho de sua parte. Por falar em carinho, corre aos quatro ventos na comunidade, a maneira carinhosa como um seu concorrente faz amor. Falo do galo Garibaldi.
Quando Marivalda falou em Garibaldi, uma dezena frangas adolescentes entoou numa só voz:
Ele é o bom, é o bom, é o bom!
O rei Golias ensurdeceu.
Continuando...
- Ouviu, meu rei? É disso que o povo gosta. É isso que o povo quer. Por isso, exigimos nossa liberdade sexual. Não temos preconceitos. Não exigimos exclusividade e dispomos nossas sambiquiras para todos os galos do reino.
Por um instante o rei Golias, parou, pensou e voltou a falar:
- Até agora não entendi aonde vocês querem chegar.
- Não queremos chegar a lugar nenhum, apenas queremos provar que não é um bem dotado órgão sexual que faz a felicidade de uma fêmea. Basta que seja um pintinho, como dizem os humanos, mas que seja capaz de nos fazer gozar e gerar outros pintos para a perpetuidade de nossa espécie.
Seu reino não está ameaçado. Você continua majestade, mas não castre a possibilidade de nossos príncipes galarem nossas sambiquiras.
- Você é uma subversiva.
- Posso ser, mas quem não é? Romper com a casca do ovo, não é privilégio do pintinho.