821-ARGEMIRO ARAGÃO - 2a. Parte

2ª. PARTE –

O DESAPARECIMENTO

Antes de completar dezoito anos, Argemiro era homem feito. Enorme. Gigantesco. Desenvolveu o gosto pelas caçadas, para desgosto do pai. Cavalgava em montarias especiais, crias da fazenda, obtidas por cruzamento entre alazões e árabes, garanhões e éguas adquiridas de longe, a fim de melhorar a raça dos animais e ter sempre um cavalo que suportasse as oito arrobas do filho, que gostava de caçar e só saia montando nos melhores cavalos, e acompanhado por Tião Medonho, escravo de suas predileção e companheiro fiel nas aventuras pelos morros e campos da região. uma quadrilha dos melhores cavalos.

Saía acompanhado de dois ajudantes escravos, um dos quais, Leôncio, era perito em detectar pistas na mata cerrada e localizar as feras, mesmo quando escondidas em furnas de difícil acesso. Não eram longas as jornadas, já que a mataria começava rente à orla dos pastos e se estendia por léguas e léguas, em todas as direções, pela morraria a perder de vista. Pelos vales a vida silvestre e selvagem pululava, ao longo dos riachos que corriam céleres nos leitos pedregosos, para formar o Rio Grande. Voltava das caçadas som mais de um troféu: onças, veados, tamanduás, pacas, cotias, macacos e outros habitantes da floresta. Não gastava munição com aves ou com os pequenos animais.

Argemiro pouco se misturava com os irmãos. Tinha seu quarto na casa-grande, comia com o pai, os irmãos e irmãs na imensa sala que era, ao mesmo tempo, sala de jantar, de receber visitas e de música, já que as meninas tinham um piano num canto, no qual aprendiam tocar pequenas peças, ensinada por dona Domitilia Miranda, que vinha uma vez por semana ministrar treinamento às infantas.

Enquanto isso, o jovem Argemiro preferia conviver com os escravos, e na senzala foi aprendendo naturalmente os mistérios da vida, as pequenas safadezas de bolinar as negrinhas e mulatinhas, e em seguida, o prazer do sexo, ensinado por uma mais desenvolvida e que com certeza já tinha sido iniciada por outro escravo. Tudo sem preconceito, muito naturalmente, como se o garoto branco fosse parte deles, escravos.

Um grande alvoroço agitou a fazenda: a libertação dos escravos, imposta por lei régia à qual não havia como escapar. De um dia para o outro, os escravos não eram mais escravos. No primeiro momento, a maioria dos escravos — pelo menos na fazenda Jatobá — não queria deixar a fazenda, preferiam ficar ali trabalhando pela comida, sem o regime das chibatas e com liberdade de saírem aos domingos. Mas a liberdade era contagiante, e aos poucos os ex-escravos foram botando o pé na estrada, saiam para viver na vila ou para procurar novos rumos. A alguns mais idosos e ainda podiam trabalhar foi permitido que ficassem na fazenda, a troco de comida e da morada na senzala.

Foi numa dessas levas retardatárias que Argemiro saiu da fazenda. Acompanhou uma família e sumiu pelo mundo.

Quando deu pela falta do filho, chamou o capataz e ordenou:

— Jeremias! Pegue a espingarda e o Tição e vai caçar o bando de negros sem vergonha que levou meu filho junto.

O capataz não gostou da missão. Corria uma conversa entre os escravos que permaneciam na fazenda, segundo a qual Argemiro fora enfeitiçado por uma das pretas da senzala.

— Foi a danada da fia do Ditão Raizeiro. Ele aprontou um serviço que amarrou o filho do patrão na fia dele. Num adianta procurar, ninguém vai vê os dois. Nunca mais.

Ou porque o capataz Jeremias tivesse cansado daquela vida, ou porque os tempos eram outros e já não se caçava escravos como antes, o fato é que ele também sumiu pelo mundo, nunca mais deu notícias.

O desaparecimento de Argemiro foi fato mais sentido entre os irmãos e as irmãs que pelo próprio pai, naturalmente distante da criação dos filhos. Mas passado algum tempo, sem que sequer tivessem notícias do irmão, deixaram de se preocupar com ele.

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ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2014

Conto # 821 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/06/2015
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