UMA PESSOA SEM ILUSÃO

 

Na época de ser menino a parentaiada se reunia. Em quase todos os domingos. Na fazenda de alguém, geralmente na casa de meus avós paternos, ocasionalmente na casa de um de meus tios. Sempre numa fazenda, pois cidade era somente local de menino estudar, ir pra missa ou de rosolver uns "trens". Eram as crianças, tios, pais, primos mais velhos, cunhadas, agregados e alguns conhecidos bastante desconhecidos. Nesses domingos, sempre havia uma parlamentação sobre o futuro e as habilidades das crianças. O que me estarrecia, apesar de ser da turma bem mais nova. Para eles o "José Eustáquio", aquele gordinho rosado com covinhas nas bochechas era um menino danado de inteligente. Diziam isso como se eu não estivesse ouvindo. Pouco importando com minha tendência a ser reservado em relação a essas coisas que eu considero minha intimidade. Não sei como chegaram a essa conclusão. Até parece que sabiam dos números azuis de meu boletim escolar. Que pra mim eram top secret. Acho que dois dos meus primos, o M. e F., que estudavam comigo na mesma sala de aula, eram dois dedos duros. Eles achavam até que isso nem exigia de mim muito esforço, que inteligência seria como aboboreira, que nasce, cresce e se alastra sem nenhum tipo de cuidado. 
_ Imagina se ele se esforçar! Poderia até virar Presidente da República.
Alguém dizia, me transformando num Einstein, que nunca foi presidente de nada. Nem mesmo de Princeton. Eu nem ao menos sabia que precisava de inteligência para ser Presidente da República. Mas esse não era o pior dos prognósticos. Pois ser presidente não me apetecia ser um coisa muito desagradável. Pior seria se meu futuro fosse a adv0cacia, a medicina ou a contabilidade. Mas o que realmente tinham certeza, isso era tido como batata, é que eu seria o primeiro colocado no concurso do Banco do Brasil. Isso seria para eles o máximo de realização pessoal. Ser bancário! "Ser bancário?" Eu em pensamento desesperava. Então eu bradava, mesmo as crianças não podendo dar opinião nessas coisas de futuro:
_ Eu não sou inteligente! Nem quero ser inteligente.
Por seu lado minha mãe dizia, aliás ela diz até hoje:
_ O José Eustáquio é inteligente, mas é muito sem ilusão.
Minha mãe sempre era cruel com tudo aquilo que não fosse ela mesma. Para ela falta "ilusão" quer dizer, até hoje, falta de ambição, vaidade, cobiça, orgulho, de espírito de vingança, ou até mesmo falta de uma vontade precoce de querer namorar. Isso significava para ela o mesmo que ser criança a vida inteira. Só que uma criança inteligente, com falta de vocação para as coisas do mundo. Ocorre que passei no vestibular antes de aparecer um edital para concurso do Banco do Brasil. Fui estudar história e outros assuntos que não servem pra nada. Aprender um punhado de coisas que não servem para encher barriga, nem despertar inveja. Afinal pra que serve saber do Oráculo de Dodona? Essas coisas: saber os nomes de todas as províncias do Canadá; sobre as maravilhas do Reino do Preste João; dos mistérios que envolvem a morte do Rei D. Sebastião de Portugal; a obsessão pelo impressionismo francês; o caráter revolucionário da música de Prokofiev e Schönberg; a leitura de livros imensos de John dos Passos, Steinbeck e Tchekov. Isso não serve pra nada, nem pra contar historinhas. O máximo que podem servir é pra criar ornamentos para uma conversa mole pra conseguir namorada. Pois beleza mitigada exige esse tipo de artifícios. Mas não é só isso. Sou apenas um cara sem ilusão criando um mundo de ilusões só para escapar de um concurso do Banco do Brasil.